A viabilidade do maior projeto de infraestrutura de transportes do País encara, há anos, o desafio de transpor uma série de impactos socioambientais. A ferrovia Ferrogrão, que promete reorganizar o mapa nacional do transporte de cargas, precisa comprovar que sua viabilidade não significaria a redução de florestas protegidas no meio da Amazônia e a invasão de terras indígenas. Mas os desafios não acabam por aí. A abertura de uma nova rota de escoamento do agronegócio tem mexido, e muito, com a concorrência do setor logístico. É uma briga de gigantes.
Nos últimos quatro meses, a reportagem do <b>Estadão</b> ouviu dezenas de consultores da área de transportes, agentes da cúpula do Ministério da Infraestrutura, fabricantes do setor ferroviário, associações, produtores rurais e as próprias concessionárias de ferrovias. Os relatos dão conta da forte disputa que envolve hoje a consolidação logística do Centro-Oeste, maior polo de produção de grãos do País.
De um lado estão aqueles que defendem a realização do leilão planejado pelo governo. De outro, estão nomes que já atuam na região e que enxergam na Ferrogrão um concorrente que pode colocar planos futuros em xeque. É o caso da Rumo, empresa logística do Grupo Cosan.
A oposição da companhia ao empreendimento tem uma razão clara: a abertura de concorrência para os trilhos que a Rumo já administra nas Regiões Centro-Oeste e Sudeste, jogando o preço do frete para baixo e consolidando a saída dos grãos pela Região Norte do País.
Com seus 933 km, a Ferrogrão vai ligar Sinop (MT), centro nacional da produção de soja e milho, às margens do Rio Tapajós, em Itaituba (PA). Ali, a produção que chegaria aos trens de carga seria despejada em barcaças, seguindo por uma hidrovia que acessa o Rio Amazonas e, desse ponto em diante, para qualquer lugar do planeta.
Outras gigantes ferroviárias e investidores de logística, como a VLI, da mineradora Vale, e o fundo Pátria, dono da Hidrovias do Brasil, têm interesse na Ferrogrão. O que está sobre a mesa é um jogo logístico bilionário.
Em março de 2019, a Rumo desbancou a VLI e venceu o leilão da parte sul da Ferrovia Norte-Sul, com um lance de R$ 2,7 bilhões. A VLI era vista como a mais forte do páreo, porque já era dona do trecho norte da ferrovia – Porto Nacional (TO) a Açailândia (MA).
Além disso, no fim de 2020, a Rumo renovou, por 30 anos, a concessão da Malha Paulista, que corta o Estado de São Paulo, até o Porto de Santos. A empresa se comprometeu a injetar mais de R$ 6 bilhões na rede. Há ainda uma terceira malha nas mãos da Rumo, a Ferronorte, entre São Paulo e Rondonópolis (MT). Com essa estrutura, a Rumo passou a ter o monopólio ferroviário do transporte de grãos mato-grossense.
<b>Resistência</b>
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, já recebeu diversos pedidos para que fosse assinada uma autorização que liberasse a ampliação da Ferronorte, saindo de Rondonópolis até Lucas do Rio Verde – ambas em Mato Grosso. Isso significa estar ao lado de Sinop, onde começa a Ferrogrão.
Na prática, a Rumo quer se antecipar e espera que o governo libere a construção de uma nova malha de 600 km, sem submeter esse trecho a eventuais rivais. Como o governo federal resistiu à ideia, a empresa recorreu ao governo de Mato Grosso e conseguiu autorização do Estado para tocar a obra.
Hoje, novas ferrovias só podem ser construídas no País por meio de concessões. Um projeto de lei no Congresso pretende permitir autorizações simples de obras. Com o avanço da liberação de obras por Mato Grosso, o governo federal redobrou sua pressão para que o tema caminhe no parlamento.
Questionada sobre o tema, a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) disse que "apoia iniciativas e projetos que ajudem a promover a expansão da malha ferroviária do País e o necessário crescimento da participação do modal na matriz de transporte de cargas brasileira".
O <b>Estadão</b> perguntou à Rumo a respeito da concorrência que a Ferrogrão poderia trazer para suas operações. A companhia declarou que, "como maior concessionária de ferrovias do Brasil, a Rumo acompanha com toda a atenção os demais projetos (…) – sem que haja no momento nenhuma definição quanto a eventuais participações".
Sobre seus projetos, declarou que "vem estudando e discutindo investimentos atrelados à renovação antecipada da concessão da Malha Sul e à extensão da Ferronorte".
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>