O presidente Jair Bolsonaro construiu sua base de apoio no Congresso a um custo elevado, financeira e politicamente. Além de abrir os cofres a parlamentares por meio de esquemas como o do orçamento secreto, aliou-se ao Centrão, ao qual emprestou apoio, em fevereiro, na disputa pelo controle do Legislativo. As investidas, porém, não se revertem em eficiência na análise de projetos prioritários porque, segundo congressistas, faltam foco e senso de urgência do próprio governo.
O Congresso tem, desde que o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foram eleitos para as presidências da Câmara e do Senado, uma lista de 35 propostas para as quais Bolsonaro pediu preferência. Deste total, 27 estão na gaveta ou não têm votação definitiva encaminhada nas duas Casas.
Da lista de prioridades, no balanço, só oito matérias foram promulgadas ou sancionadas, entre as quais algumas que vinham em estágio avançado de tramitação, como a autonomia do Banco Central e a que estabeleceu regras para informatização de órgãos públicos. Também viraram lei o texto que estimulava a criação de startups e o que reforçava a prevenção ao superendividamento de idosos, ambos sem alto índice de dissenso.
Enquanto as prioridades seguiam em banho-maria, Bolsonaro mobilizou sua base para tentar aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso. A iniciativa foi rejeitada, ainda que o presidente tenha liberado R$ 1 bilhão em emendas individuais às vésperas da votação – como revelou o <i>Estadão</i>. Temas centrais destacados na lista não ganharam o mesmo empenho.
Na lista de Bolsonaro, por exemplo, estava o polêmico projeto da regularização fundiária, chamado por críticos de "PL da Grilagem". De autoria do deputado ruralista Zé Silva (PSD-MG), o projeto enfrentou resistência de governistas, que ameaçaram tornar mais permissivo o texto original e aumentar a flexibilização do registro de terras ocupadas por meio da autodeclaração. O texto final foi aprovado no início do mês na Câmara e, agora, depende do Senado.
"O substitutivo chegava a ser pior que a própria MP da Grilagem", disse Zé Silva, crítico da falta de foco da base. "Essa coisa de discutir voto auditável, voto impresso Temos de tratar dos temas fundamentais, reforma tributária, estruturação do Estado. Perdemos tempo com coisas menos importantes."
<b> Fora de hora </b>
Até entre aliados, a escolha das prioridades é vista com ressalvas. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) é relator na Comissão de Constituição e Justiça do projeto que regulamenta a atividade de caçador. Aprovado na Câmara em 2019, está parado desde o ano passado no Senado. Ele afirmou que tem conversado com entidades para propor um texto equilibrado, mas espera que a matéria não seja votada agora.
"Eu torço para que não (seja votada em 2021). Temos que finalizar as prioridades enquanto estiver morrendo brasileiro com covid. Depois vem reforma tributária, administrativa. Estranhei quando esse projeto veio na lista, e eu disse isso. Veio fora de hora", afirmou o senador.
Outro projeto prioritário do Planalto foi apresentado em 2019 pelo deputado Jerônimo Goergen (Progressistas-RS), para a instituição de documento único para autorização de transportes de carga. Como o texto ficou à espera de parecer na Comissão de Viação e Transportes, a saída foi recorrer a um "atalho".
"Estávamos vendo que tramitar nas comissões, e tudo aquilo, ia se arrastar. E achamos que ia ser mais rápida a edição de uma medida provisória", afirmou Goergen. A MP foi aprovada pela Câmara e ainda precisa ser apreciada pelo Senado.
A edição de medida provisória também foi o caminho encontrado pelo governo para tentar viabilizar a venda da Eletrobrás. A intenção estava em um projeto de lei do Executivo, ainda de 2019, que "adormeceu" na Câmara. A MP foi aprovada pelos congressistas em junho. Com a edição do texto que tem vigência imediata, o governo abrevia etapas e coloca sobre o Congresso a pressão para manter ou não a validade da medida.
A PEC da reforma administrativa também foi relacionada por Bolsonaro como prioritária. O texto é de 2020. Foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em maio e aguarda parecer em comissão especial. Sem consenso, não há previsão para que a proposta seja votada no colegiado, muito menos para que seja promulgada.
Na Câmara, também existe o interesse do governo de transformar em lei o projeto que muda a Lei de Gestão de Florestas Públicas e flexibiliza o modelo de licitação e os contratos para concessão dessas áreas à iniciativa privada. A lei atual de concessões florestais é considerada muito burocrática.
O texto, do deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), é de 2020, mas ainda está na fase inicial de tramitação, na Comissão de Meio Ambiente da Câmara. A expectativa do autor é de que um acordo leve a matéria diretamente ao plenário. "É normal demorar, mas está andando", disse. "Não vimos nenhum ato do governo no sentido de agilizar a tramitação dessa proposta. Por outro lado, entrou na lista (de prioridades)."
<b>Pandemia</b>
Aliados próximos ao governo minimizam a demora. Segundo eles, a pandemia compromete o ritmo dos trabalhos, assim como a energia dedicada pelos congressistas à CPI da Covid, no Senado, que apura erros do governo federal na gestão da crise sanitária.
"As energias e atenções se voltam para isso (CPI), e você acaba deixando de lado outras pautas", disse o senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Ele é relator do projeto da chamada BR do Mar, que visa melhorar a qualidade do transporte de cabotagem. O projeto aguarda uma audiência pública no Senado.
Outro indício da falta de respaldo da base que construiu está nas matérias em que o governo saiu vencido. Como mostrou o <i>Estadão</i>, Bolsonaro teve 70 medidas provisórias que perderam validade por falta de aprovação pelo Congresso. Os reveses se acumulam mesmo com o pagamento recorde de emendas parlamentares – foram R$ 41,1 bilhões, ante R$ 22,6 bilhões no primeiro governo Lula, a cifra mais alta até então.
Apesar de as prioridades patinarem, Bolsonaro vê no Centrão uma garantia para permanecer no cargo. Ele é alvo de mais de 130 denúncias de crimes de responsabilidade. Ao ceder espaço a líderes do bloco, o presidente também busca melhorar o diálogo com o Legislativo. O ato mais recente nesse sentido foi a nomeação do presidente do Progressistas, Ciro Nogueira, para a Casa Civil.
Procurado, o Planalto não se manifestou sobre o andamento dos projetos no Congresso. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>