O dólar à vista encerrou a sessão desta terça-feira, 31, a última de agosto, em terreno negativo, alinhado à maré positiva para moedas emergentes no exterior, movimento atribuído tanto a dados fracos dos Estados Unidos – como o índice de confiança do consumidor em agosto (113,8, ante expectativa de 123,1) – quanto à continuidade dos ajustes ao tom ameno do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, ainda na sexta-feira.
Afora uma alta pontual logo após a abertura do pregão, o dólar trabalhou em queda durante todo o dia, com perdas mais acentuadas pela manhã, em meio à disputa pela formação da Ptax de agosto, referência para contratos futuros e balanços corporativos.
Dados positivos da economia brasileira (taxa de desemprego até junho e déficit primário do setor público em julho abaixo das projeções) teriam contribuído para o fortalecimento o real na primeira etapa de negócios, servindo do suporte as operações de "vendidos" (que apostam na queda do dólar), que já se beneficiavam dos ventos externos favoráveis.
Ao longo da tarde, passada a batalha pela formação da Ptax, o que deixou o mercado tecnicamente mais leve, dólar desacelerou o ritmo de perdas. O impulso externo também já era menor, com o índice DXY, que chegou a operar em queda firme pela manhã, passando a trabalhar entre leve alta e estabilidade. Por aqui, a piora da Bolsa e o avanço dos juros futuros, em meio a ruídos políticos, teriam tirado parte do fôlego do real.
Em meio à divulgação do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2022 e declarações de membros da equipe econômica, o dólar chegou a ser negociado momentaneamente na casa de R$ 5,18. Apesar de trazer uma redução na previsão de déficit para 2022, o PLOA considera o pagamento total de R$ 89,1 bilhões em precatórios e não prevê ampliação do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil. Não se sabe ainda como atender ao desejo do presidente Jair Bolsonaro de reajustar o benefício social e manter o pagamento dos precatórios sem furar, mesmo que informalmente, o teto de gastos.
Em coletiva para falar sobre o PLOA, o secretário especial do Tesouro e Orçamento do ministério da Economia, Bruno Funchal, afirmou que a proposta de parcelamento dos precatórios tem como "grande objetivo" compatibilizar o pagamento das dívidas com o teto de gastos, o que traz "credibilidade".
No fim do pregão, o dólar voltou a ceder um pouco mais, para a casa de R$ 5,17. Com máxima a R$ 5,1978 e mínima a R$ 5,1167, a moeda americana fechou a R$ 5,1719, em queda de 0,34%, encerrando agosto com desvalorização modesta (0,73%), após ter subido 4,76% em julho. No pior momento deste mês, a moeda americana chegou a superar R$ 5,40, ao fechar a 5,4228, no dia 19.
A perda de força do dólar nos últimos dias veio na esteira de uma combinação de fatores domésticos e externos. Lá fora, o principal evento foi a sinalização do presidente do Federal Reserve de que a política monetária americana seguirá acomodatícia. Por aqui, contribuíram para o alívio declarações recentes de respeito ao teto de gastos de autoridades, como o presidente da Câmara, Arthur Lira. A busca por uma solução para o imbróglio dos precatórios em conjunto com o Judiciário diminuiu também os temores de um descontrole das contas públicas.
O head de tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, ressalta que o real tem tido um desempenho similar a de outras moedas emergentes, mas que ainda acumula uma desvalorização relevante na comparação com seus pares, como o peso mexicano e o rand sul-africano – fenômeno que ele atribui, sobretudo, aos problemas domésticos.
"O dólar já poderia estar abaixo do nível de R$ 5,00. A sensação é que o real se mantém desvalorizado por toda essa questão fiscal, dos precatórios e do Bolsa Família, e dos problemas políticos, com essa briga do presidente com o STF", afirma Weigt, ressaltando que, a despeito das quedas recentes, o preço de commodities exportadas pelo Brasil, como minério de ferro e soja, ainda está em patamares elevados.
Weig também lembra que os exportadores optam por manter os recursos no exterior, mesmo perdendo a remuneração oferecida pelos juros locais, cada vez mais elevados, justamente por causa da incerteza doméstica. "Olhando a liquidez grande lá fora, os fundamentos internos e as outras moedas emergentes, o real deveria se apreciar. Mas o clima de incerteza ainda é muito grande", diz.
Em evento nesta terça pela manhã, o ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, afirmou que há fundamentos, como os termos de troca e a taxa Selic mais elevada, para apreciação do câmbio brasileiro, mas admitiu que "talvez não dê tempo" de alcançar a projeção de fim deste ano, de R$ 4,75. Mesquita observou que houve aumento do prêmio de risco, por causa das incerteza em relação à política fiscal, e que pode ocorrer uma antecipação de remessas de lucros e dividendos de multinacionais em meio à discussão da reforma do Imposto de Renda no Brasil.