Com o presidente Jair Bolsonaro em viés de baixa e mais isolado, o general Hamilton Mourão montou uma “agenda paralela” de encontros com adversários do governo no Congresso e intensificou as relações com magistrados, diplomatas e empresários. Ele passou a receber em audiências e turnês de viagens especialmente lideranças de partidos de centro. Uma boa parte desses eventos não foi registrada na agenda oficial.
Em Brasília, os encontros de Mourão ocorrem no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, e no gabinete de trabalho no prédio anexo do Palácio do Planalto. O general recebeu nomes ligados ao Progressistas, PSDB e MDB e tem atraído o interesse de representantes do PSD e do DEM para cafés e conversas.
É no espaço independente de interlocução montado na estrutura da Vice-Presidência que Mourão faz pontes com a política e o mercado e se mantém no jogo na reta final do governo, observam interlocutores. A decisão do general de não ser anulado no cargo, ressaltam, foi tomada no final de julho, quando Bolsonaro disse em entrevista a uma rádio de João Pessoa que vice é como cunhado, você “casa e tem que aturar”. O presidente afirmou ainda que escolheu o militar da reserva para a chapa às pressas.
Em meados de agosto, por exemplo, o vice recebeu em seu gabinete o ex-ministro Carlos Marun, que tem atuado para que o MDB, seu partido, abrace a tese do impeachment. O político incentivou o general “a atuar politicamente de forma mais efetiva”, em suas próprias palavras, inclusive buscando um partido mais robusto que o PRTB, atual legenda do vice. “O tema impeachment não entrou de forma nenhuma na conversa. Não houve da minha parte, nem da parte dele, nenhuma sinalização ou troca de ideias sobre isso. Eu conversei a respeito da participação dele, o que ele está pensando, no processo político partidário-eleitoral”, disse Marun ao Estadão. O encontro não estava na agenda oficial.
Pouco depois da reunião com Marun, em 31 de agosto, Mourão recebeu o deputado federal Raul Henry (MDB-PE). Dias antes, o pernambucano apresentara o parecer contrário à proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso, ajudando a enterrar a ideia. Henry contou que incentivou Mourão a continuar na vida política. “Ele é um homem equilibrado, sensato, um oficial da reserva que conhece o Brasil. Faz parte da democracia a gente ter pessoas mais à direita e mais à esquerda. O que faz mal para o Brasil hoje é o presidente tentando desmoralizar as instituições”, disse Henry ao Estadão.
Outra reunião importante de Mourão feita por fora da agenda oficial foi com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso. Em 10 de agosto, Mourão atendeu a um convite do ministro para conversar sobre os riscos de uma ruptura institucional no País por parte das Forças Armadas. O encontro foi revelado pelo <b>Estadão</b> dias depois e irritou Bolsonaro – assim que o caso veio à tona, o presidente anunciou que pediria ao Senado o impeachment de Barroso e do colega de STF Alexandre de Moraes. No fim das contas, só o pedido contra Moraes foi apresentado, e rejeitado em seguida.
No dia 1º de setembro, Mourão se encontrou com o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). “Diferentemente dos posicionamentos do atual presidente (da República), o vice-presidente Mourão sabe muito bem o significado de manter a sociedade civil à frente das decisões tomadas. (Sabe a importância do) regime democrático, sem absolutamente abrir espaço para exceções, do tipo golpe”, disse o senador paraibano. “Ele se porta como se exige de um democrata.” Assim como Marun, Veneziano frisou que o tema “impeachment” não foi discutido. Mourão ainda se encontrou no Jaburu com o presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP).
<b>Senado</b>
Há alguns meses, Mourão disse estar cogitando uma candidatura para o Senado pelo Rio Grande do Sul. Mais recentemente, houve especulações sobre uma possível candidatura ao governo do Estado do Rio de Janeiro. O prazo para mudar o domicílio eleitoral, hoje em Brasília, termina em abril.
Apesar dos elogios dos emedebistas, Mourão não é unanimidade no Congresso. Para o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), o vice é “uma incógnita” para a maioria dos parlamentares. “A figura dele cria um cenário diferente, em relação ao impeachment, dos outros. Você, ao impitimar a Dilma, sabia quem seria o presidente (…), porque ele (Michel Temer) era da política. Ao impitimar o Collor, se sabia quem era o presidente (Itamar Franco). Mas, se sair o Bolsonaro, não se sabe como será o novo presidente”, disse o parlamentar.
Como coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), Mourão sempre inclui a floresta tropical em suas palestras. Nas apresentações, o vice costuma repetir o mantra de que o Brasil está destinado a se tornar “a democracia liberal mais próspera ao sul do Equador”. Também tem por hábito encerrar a fala com um verso do poeta espanhol Antonio Machado (1875-1939). “Caminhante não há caminho. Faz-se o caminho andando”, diz o trecho.
Um destes eventos aconteceu no dia 30 de agosto, num salão perto da chamada “Península dos Ministros”, no Lago Sul. Mourão participou de um encontro organizado pela seção feminina do Grupo de Líderes Empresariais (Lide) em Brasília. O capítulo candango é comandado pelo empreiteiro Paulo Octávio, mas o Lide pertence ao governador tucano de São Paulo, João Doria – que no momento está afastado das atividades. Convenientemente, a reunião não constou da agenda de Mourão.
Dias depois, em 3 de setembro, o vice foi à capital paulista para um evento da TV Cultura, a rede de TV pública controlada pelo governo estadual. No local, posou para fotos com o presidente da emissora, José Roberto Maluf, nomeado por Doria para o posto. Novamente, não houve menção na agenda.
Um outro encontro de Mourão com parte da elite econômica do País ocorreu em 26 de agosto, também em São Paulo. O vice-presidente foi ao hotel Grand Hyatt, no Itaim Bibi, para uma palestra ao Parlatório – um grupo de empresários que vem promovendo reuniões com eventuais presidenciáveis nos últimos meses. Na plateia estavam dirigentes de algumas empresas de capital aberto, como Leonel Andrade (CVC), Clarissa Sadock (AES Brasil) e Luiz Fernando Furlan, membro do conselho de administração da multinacional BRF e ex-ministro de Lula, entre outros.
<b>Amazônia</b>
No dia 7 de Setembro, Mourão participou do hasteamento da bandeira ao lado de Bolsonaro. Mas, no dia seguinte, enquanto o presidente reunia seus ministros no Planalto, o vice embarcou para o Pará com uma comitiva de embaixadores estrangeiros – o objetivo era melhorar a percepção dos representantes sobre os esforços brasileiros pela preservação da floresta. O grupo foi recebido pelo governador Helder Barbalho (MDB) e visitou instalações de empresas como a mineradora Vale.
Estavam no grupo os embaixadores do Japão, Akira Yamada; da União Europeia, Ignácio Ybáñez; e da Índia, Suresh Reddy, entre outros. França, Espanha, Angola, Paraguai, Uruguai, Reino Unido e Suíça também mandaram diplomatas para a excursão. Os senadores Nelsinho Trad (PSD-MS) e Kátia Abreu (PP-TO) integraram a comitiva liderada pelo vice, que só retornou a Brasília no fim da sexta-feira.
A reportagem do<b> Estadão</b> procurou o vice-presidente para tratar das agendas e de seus planos, mas ele não se pronunciou.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>