O ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Marco Polo Del Nero, está entre as personalidades envolvidas no Pandora Papers, um dos maiores vazamentos de documentos financeiros da história. A investigação realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) revelou que, em 2014, o criminalista conduziu a abertura de uma offshore milionária nas Ilhas Virgens Britânicas.
Offshore é o nome que se dá às empresas ou contas bancárias abertas nos chamados paraísos fiscais , locais com menor tributação, de maneira lícita. No entanto, muitas vezes esses negócios se tornam ilegais quando seus donos escondem a origem do dinheiro.
A Finview Investments Limited, empresa formalmente criada em outubro daquele ano, estava no nome dos dois filhos do ex-mandatário, Marco Polo Del Nero Filho, sócio do pai em um escritório de advocacia, e Marcus Vinicius Del Nero, publicitário e bacharel em Direito.
O capital da Finview era dividido em 50 mil ações de 200 dólares, totalizando 10 milhões (R$ 54 milhões na cotação atual). Del Nero Filho detinha a maioria das ações (49,5 mil), enquanto ao irmão restaram as outras 500. Uma semana depois da criação da companhia, nasceu a Finview Real Estate, negócio voltado ao investimento imobiliário em Orlando, no estado americano da Flórida.
A CPI do Futebol, iniciada em 2015 e que se encerrou no fim de 2016 sem indiciar nenhum investigado, descobriu que no começo de 2014, Del Nero, Ricardo Teixeira e José Maria Marin estiveram juntos em um voo no jatinho da CBF com destino a Orlando. Dois anos antes, na Operação Durkheim, a Polícia Federal apreendeu e-mails de Del Nero pedindo para o filho Marco Polo entrar em contato com uma gerente de banco em Miami que poderia opinar sobre a possibilidade de montar um negócio na região.
Quem auxiliou o clã Del Nero na abertura da empresa foi o escritório de advocacia panamenho Alcogal, especializado na criação e gestão de offshores na América Central e Caribe. A possibilidade da empresa ser usada para lavagem de dinheiro preocupou a Alcogal, que manteve relações com a família mesmo após constatar um risco médio em uma avaliação interna.
No entanto, a situação mudou quando, em 2015, veio à tona o Fifagate , escândalo de corrupção envolvendo funcionários e associados da principal entidade do futebol. Com ajuda do Ministério Público Federal dos Estados Unidos, a polícia suíça e o FBI prenderam vários dirigentes durante o congresso anual da Fifa. Del Nero conseguiu escapar e voltou a São Paulo, mas nunca mais saiu do País por medo de ser detido e extraditado para os Estados Unidos. Por lá, ele, Marin e Teixeira foram indiciados por crimes como fraude, lavagem de dinheiro e extorsão. Apenas Marin foi preso e condenado.
Após o caso, a Alcogal deixou de administrar a offshore da família Del Nero nas Ilhas Virgens e informou na semana seguinte a existência da Finview Investments à Agência de Investigação Financeira americana.
A offshore foi encerrada pelos filhos de Del Nero em agosto de 2015. Já a Finview de Orlando parou as atividades apenas em setembro do ano passado. Os documentos obtidos pelo ICIJ não revelam o paradeiro dos 10 milhões de dólares investidos pela família do ex-presidente da CBF.
Após ser banido definitivamente do futebol pela Fifa em abril de 2018, Del Nero deu lugar a Rogério Caboclo, na época seu aliado. Apesar disso, ele continua atuando nos bastidores da entidade e teria sido um dos responsáveis pela retirada de Caboclo, suspenso até 2023 por conta de assédio sexual e moral praticado contra uma funcionária.
No total, o consórcio de jornalistas e veículos de imprensa envolvidos na Pandora Papers reuniu 11,9 milhões de documentos. 14 escritórios especializados na abertura de offshores em paraísos fiscais colaboraram para a obtenção das informações, a maioria vinda das Ilhas Virgens Britânicas.