Autoridades de pelo menos oito países anunciaram nesta segunda, 4, que abrirão apurações sobre o uso de paraísos fiscais por chefes de Estado e de governo, empresários e personalidades que teriam ocultado ativos de centenas de milhões de dólares, segundo as denúncias dos Pandora Papers, investigação jornalística coordenada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) e publicada em várias reportagens de veículos como Washington Post, Guardian e BBC.
As denúncias vão de corrupção à lavagem de dinheiro, passando por evasão fiscal. Quase 35 governantes atuais e ex-líderes de países aparecem nos cerca de 11,9 milhões de documentos que vazaram de empresas de serviços financeiros de todo mundo e incluem dados sobre casas luxuosas na Riviera Francesa, em Monte Carlo e na Califórnia.
Autoridades de Paquistão, México, Espanha, Brasil – a Procuradoria-Geral da República abriu apuração preliminar -, Sri Lanka, Austrália, República Checa e Panamá prometeram investigar fluxos de dinheiro, propriedades e outros ativos ocultos no sistema financeiro offshore. Em contrapartida, vários governos começaram uma reação para tentar conter os danos provocados pela apuração.
O primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, prometeu investigar todos os cidadãos mencionados no caso e "tomar as medidas cabíveis" se algum delito for encontrado. "Saudamos os Pandora Papers, que expõem a riqueza ilícita das elites, acumulada por meio de evasão fiscal e corrupção e lavada em paraísos financeiros", tuitou Khan.
O comentário do premiê paquistanês foi feito em resposta a uma história dos Pandora Papers que revelou participações offshore de figuras-chave de seu círculo mais próximo, incluindo seu ministro das Finanças e um de seus principais financiadores. Khan assumiu o cargo em 2018 prometendo uma reforma após uma onda de indignação deflagrada por outra investigação jornalística internacional, o Panama Papers, que expôs as negociações offshore dos filhos do então primeiro-ministro do Paquistão, Nawaz Sharif.
Autoridades tributárias de Austrália, México, Espanha e Panamá fizeram comunicados públicos afirmando que estão acompanhando as denúncias reportadas e garantindo que investigarão possíveis crimes e indivíduos mencionados nos Pandora Papers.
Além disso, o governo do Panamá disse que iniciará uma "supervisão" dos fornecedores offshore mencionados nos Pandora Papers. Um desses fornecedores, um escritório de advocacia com sede no país, conhecido como Alcogal, desempenha um papel importante em ajudar a classe política da América Latina a criar empresas de fachada em paraísos fiscais. O escritório também serviu a figuras envolvidas em alguns dos mais notórios casos de corrupção da história recente, incluindo o escândalo de futebol internacional conhecido como Fifa Gate.
No Sri Lanka, os ministros da Energia e dos Portos disseram que a Comissão para Investigar Alegações de Suborno e Corrupção terá de investigar os bens de qualquer político citado nos Pandora Papers. Nirupama Rajapaksa, ex-ministro relacionado à família governante, é um dos vários políticos envolvidos no caso.
As autoridades da República Checa tuitaram ontem que pretendem investigar as denúncias relacionadas ao primeiro-ministro Andrej Babis, que está no meio de uma campanha à reeleição. Documentos revelados nos Pandora Papers apontam que o político escondeu a propriedade de um castelo de US$ 22 milhões (cerca de R$ 119,6 milhões) no sul da França.
Embora muitos países com lideranças políticas citadas pelas reportagens tenham demonstrado preocupação e se comprometido com investigações oficiais sobre possíveis crimes, outros gabinetes de governo negaram totalmente as denúncias feitas pelos Pandora Papers.
Questionado durante um debate na TV, apresentado pela CNN Prima News, se havia violado alguma lei em relação à compra da propriedade na França, Babis disse que as transações foram legais. "Foi dinheiro tributado", disse. No Twitter, o premiê afirmou nunca ter feito nada ilegal e chamou as revelações de "tentativa de difamação" com o objetivo de influenciar a eleição do fim de semana.
A Jordânia também afirmou serem "distorcidas" as revelações sobre ativos do rei Abdullah II em empresas offshore em paraísos fiscais. Segundo as reportagens, ele acumula um império imobiliário de US$ 100 milhões, que vai da Califórnia a Londres. Em comunicado, o palácio real afirmou que as propriedades foram financiadas com a riqueza pessoal do rei e foram usadas para visitas oficiais e particulares.
A realeza também argumentou que é comum entre personalidades comprar propriedades por meio de companhias offshore por questões de privacidade e segurança. "Algumas notícias publicadas sobre os bens imóveis do rei são inexatas, distorcidas e exageradas", afirmou o palácio real.
A mídia jordaniana, grande parte da qual é direta ou indiretamente controlada pelo palácio, não fez menção aos fatos. Até mesmo os meios de comunicação jordanianos independentes praticam a autocensura, evitando críticas ao rei, à família real e às forças de segurança.
No Reino Unido, o premiê Boris Johnson vem sofrendo pressão para investigar doadores do Partido Conservador. Um deles é Mohamed Amersi, que financiou a última campanha de Johnson. Ele teria ajudado a costurar um acordo para uma empresa sueca de telecomunicações que mais tarde foi considerado um suborno de US$ 220 milhões para Gulnara Karimova, filha do então presidente do Usbequistão, Islam Karimov.
Os arquivos também mostram que o Estado americano de Dakota do Sul virou um paraíso fiscal, como Suíça, Panamá e Ilhas Cayman, um local usado pelos ricos para proteger seus ativos de impostos. Milionários vêm transferindo recursos para fundos fiduciários no Estado, que conta com algumas das leis mais rigorosas de proteções de dados do mundo. (Com agências internacionais).
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>