Em novo revés para o governo, o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou suspender oito licitações da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) para a compra de máquinas e equipamentos pesados com recursos de emenda de relator-geral do Orçamento, o mecanismo do "orçamento secreto". A medida cautelar, assinada pelo ministro-substituto Weder de Oliveira, foi determinada após a área técnica do tribunal identificar sobrepreços de R$ 11,1 milhões em pregões da estatal, que totalizam R$ 121,5 milhões.
A investigação da corte de contas foi aberta após o <i>Estadão</i> revelar que o governo de Jair Bolsonaro criou o mecanismo de "toma lá, dá cá" para aumentar sua base de apoio no Congresso. Bilhões de reais foram distribuídos para um grupo de deputados e senadores indicarem o que fazer com o dinheiro sem qualquer critério técnico ou transparência.
A decisão do TCU atinge os processos de compra de mais de cem equipamentos pesados, dos tipos motoniveladoras, tratores de esteira e escavadeiras hidráulicas. A área técnica do TCU encontrou indícios de sobrepreços de até 63% nas compras da Codevasf, estatal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional entregue por Bolsonaro ao Centrão. A decisão de suspender as contratações já está valendo, mas será submetida a referendo em sessão do plenário do tribunal amanhã.
É a primeira vez que o TCU aponta sobrepreço nas licitações envolvendo o orçamento secreto, caso que ficou conhecido como "tratoraço" por envolver a compra de tratores. Até agora, o TCU só havia abordado as emendas de relator-geral sob o viés da falta de transparência, tema que motivou uma recomendação ao governo federal no acórdão que tratou das contas da Presidência no ano de 2020.
Antes, a Controladoria-Geral da União (CGU) já havia apontado sobrepreço de R$ 142 milhões em mais de uma centena de convênios e em uma licitação bilionária da pasta do Desenvolvimento, chefiada pelo ministro Rogério Marinho. A análise do TCU, porém, focou na Codevasf, e não analisou os contratos e licitações realizados diretamente pelo ministério.
As licitações suspensas pelo TCU já foram finalizadas e estão em processo de execução, quando é feito o pagamento às empresas fornecedoras. O tribunal pediu que a Codevasf informe quais equipamentos já foram entregues. Ao mandar parar as compras, o ministro Weder de Oliveira disse haver "risco de graves prejuízos aos cofres públicos".
<b>Microempresa</b>
Entre a vencedoras dos pregões em que o TCU identificou sobrepreço estão a JND Representações LTDA. Como o <i>Estadão</i> mostrou em maio, trata-se de uma microempresa com capital social de R$ 50 mil, aberta em 2018, sediada em um apartamento residencial, que faturou R$ 11 milhões em licitações da Codevasf.
Outra empresa é a XCMG Brasil Indústria, que, como mostrou o jornal em agosto, vendeu máquinas com sobrepreço também à administração direta do Ministério do Desenvolvimento Regional, e depois aceitou reduzir em R$ 100 milhões os valores para fornecimentos de máquinas.
As licitações foram feitas pela sede da Codevasf, em Brasília, e por três Superintendências Regionais, localizadas em Petrolina-PE, Penedo-AL e Bom Jesus da Lapa-BA, que são chefiadas por apadrinhados políticos, respectivamente, do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do deputado Arthur Maia (DEM-BA), relator da PEC da reforma administrativa em tramitação na Câmara.
Procurada, a assessoria de imprensa da Codevasf disse que a estatal não havia sido notificada da decisão do TCU até a noite desta segunda-feira. A reportagem também enviou e-mails para as empresas JND e XCMG, que não responderam. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>