Estadão

Por 8 a 2, STF barra orçamento secreto e pode gerar crise com governo e Congresso

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter suspensos os repasses do orçamento secreto – esquema de sustentação do governo Jair Bolsonaro no Congresso , revelado pelo <b>Estadão</b>. Com placar final de 8 votos a 2 proclamando nesta quarta-feira, 10, a Corte ratificou a decisão em caráter liminar expedida na sexta-feira, 5, pela ministra Rosa Weber. O julgamento abre uma nova crise entre o Supremo, o governo e o Congresso.

Desde maio, há exatos seis meses, uma série de reportagens do <b>Estadão</b> vem mostrando como os recursos da União têm sido distribuídos por meio das emendas de relator do Orçamento – as chamadas RP-9 – sem critérios técnicos, a um grupo de parlamentares, principalmente às vésperas de votações de interesse do Palácio do Planalto. Trata-se da nova fisionomia da política do "toma lá, dá cá", usada pelo governo em troca de apoio no Congresso.

O julgamento desta terça-feira, 9, foi permeado por pressões de parlamentares beneficiados pelo esquema. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), tido como principal operador da distribuição de emendas de relator-geral do orçamento, chegou a ir ao Supremo na segunda-feira, 8, para conversar com o presidente da Corte, Luiz Fux, na tentativa de derrubar a liminar da ministra. A decisão do colegiado mina o poder de controle e negociação de Lira.

Na decisão ratificada pelo plenário, Rosa determinou a suspensão integral e imediata da distribuição de emendas de relator até o final de 2021 – a falta de transparência do dispositivo foi a brecha encontrada pelo Palácio do Planalto para utilizá-lo na compra de votos. Os valores destinados a esta modalidade neste ano somam R$ 18,5 bilhões.

A ministra também ordenou que o governo dê "ampla publicidade" aos ofícios encaminhados por parlamentares em 2020 e 2021 para alocação dos recursos em seus redutos eleitorais. Para isso, ela exigiu a publicação de todos os pedidos "em plataforma centralizada de acesso público".

Como revelou o <b>Estadão</b>, o governo liberou R$ 1,2 bilhão em recursos do orçamento secreto para garantir a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios em primeiro turno na Câmara. A alteração no texto constitucional abrirá espaço no teto de gastos mediante atraso no pagamento de dívidas da União reconhecidas na justiça para viabilizar a implementação do novo programa social substituto do Bolsa Família, o Auxílio Brasil.

"Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos", escreveu a ministra em sua decisão de 49 páginas.

O julgamento no plenário virtual – plataforma em que os ministros depositam seus votos à distância, sem discussão detalhada – teve início na madrugada desta terça e será encerrada às 23h59 de quarta-feira, 10. Restam os votos de quatro ministros. Rosa Weber seguiu o tom adotado no despacho e proferiu um voto contundente, com recados duros aos responsáveis pelo esquema.

"Tenho para mim que o modelo vigente de execução financeira e orçamentária das despesas decorrentes de emendas do relator viola o princípio republicano e transgride os postulados informadores do regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado", afirmou. O mérito da ação ainda não foi analisado no julgamento.

Logo nas primeiras horas de julgamento, Rosa foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que também se incumbiu de responder com firmeza à falta de transparência do orçamento secreto. A ministra afirmou que o controle dos recursos públicos "não pode ser escamoteado nem esvaziado pela sombra a impedir a garantia da transparência na gestão pública".

"A utilização de emendas orçamentárias como forma de cooptação de apoio político pelo Poder Executivo, além de afrontar o princípio da igualdade, na medida em que privilegia certos congressistas em detrimento de outros, põe em risco o sistema democrático mesmo", afirmou Cármen Lúcia.

"Esse comportamento compromete a representação legítima, escorreita e digna, desvirtua os processos e os fins da escolha democrática dos eleitos, afasta do público o interesse buscado e cega ao olhar escrutinador do povo o gasto dos recursos que deveriam ser dirigidos ao atendimento das carências e aspirações legítimas da nação", completou.

Ao <b>Estadão</b>, Barroso disse não ter apresentado seu voto por escrito por acreditar que "os argumentos estavam bem postos" na manifestação da relatora da ação. Na manhã de terça, o ministro Edson Fachin juntou seu voto à maioria, seguido pelos colegas Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. O presidente do STF, Luiz Fux, e o ministro Dias Toffoli também seguiram a relatora nesta quarta e optaram por não incluir seu voto por escrito.

O ministro Gilmar Mendes, primeiro a divergir parcialmente da relatora, encaminhou seu voto a favor da liberação das emendas de relator, desde que seja "assegurado amplo acesso público, com medidas de fomento à transparência ativa, assim como sejam garantidas a comparabilidade e a rastreabilidade dos dados referentes às solicitações/pedidos de distribuição de emendas e sua respectiva execução".

Segundo Gilmar, os valores utilizados no esquema do orçamento secreto "são recursos destinados à construção de hospitais, à ampliação de postos de atendimento ou a quaisquer outras finalidades de despesa primária que podem ser destinados a todas as unidades federativas nacionais e que terão sua execução simplesmente paralisada" até o julgamento do mérito da ação.

"O congelamento das fases de execução dessas despesas se afigura dramático principalmente em setores essenciais à população, como saúde e educação", escreveu. "A manutenção da medida cautelar deferida nesses termos seria mais prejudicial aos bens jurídicos tutelados do que o próprio estado de inconstitucionalidade subjacente ao manuseio das emendas do relator", argumentou em outro trecho.

O ministro Kassio Nunes Marques abriu uma nova tese argumentativa em seu voto hoje. Classificado pelo presidente Jair Bolsonaro como seus 10% dentro do STF, o magistrado propôs que o Congresso aperfeiçoe a tramitação das normas orçamentárias somente em 2022.

Segundo Nunes Marques, embora o orçamento secreto represente contrariedade aos princípios da transparência e da publicidade , é necessário que os repasses empenhado em 2020 e 2021 sigam valendo, pois, ainda que passíveis de críticas, atenderam às normas vigentes .

A pressão exercida pelo Congresso, embora fracassada, estimulou articulações na Corte. Era esperado que uma proposta alternativa fosse levada ao plenário com o intuito de manter as obrigatoriedades de transparência nos repasses via emendas de relator, mas não de suspender o mecanismo. Com o fim do principal instrumento de coalizão do governo, os parlamentares articulam agora uma manobra para manter a ingerência sobre os recursos da União.

Como mostrou o <b>Estadão</b>, integrantes da Comissão Mista do Orçamento (CMO) estudam abrir mão das emendas de relator – comprometidas pela decisão da ministra – para focar no incremento dos valores distribuídos pelas emendas de comissão, um mecanismo pouco utilizado, mas que mantém o caráter prioritário para os envolvidos no orçamento secreto: a falta de transparência oriunda da impossibilidade de identificar os responsáveis pelas indicações. A solução, porém, divide o grupo.

As emendas de comissões são indicadas pelos relatores dos 39 colegiados temáticos da Câmara e do Senado. Os recursos deste dispositivo são coletivos e não exigem a identificação do autor da proposta. Dessa forma, o grupo seria responsabilizado pelos repasses em vez dos parlamentares que os viabilizaram.

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