A instabilidade marcou os negócios no mercado de câmbio doméstico nesta sexta-feira, 3, com o dólar trocando de sinal ao longo de todo pregão, influenciado em grande medida pelo mau humor externo. A sessão foi marcada por tombo das Bolsas em Nova York e alta da moeda americana frente a divisas emergentes, em dia de divulgação de dados decepcionantes do mercado de trabalho dos EUA.
Com uma aceleração na reta final, diante da piora do Ibovespa, o dólar encerrou a sessão em alta de 0,35%, a R$ 5,6798, perto da máxima do dia (R$ 5,6828). A mínima, pela manhã, foi de R$ 5,6023. Com o avanço de hoje, a moeda americana encerra a semana em alta de 1,50%, acumulando valorização de 9,46% neste ano.
Analistas destacam que tanto hoje quanto no restante da semana, o real, apesar de ter se depreciado, apresentou desempenho melhor que seus pares entre divisas emergentes e de países exportadores de commodities, com o peso mexicano, o rand sul-africano e o rublo.
Boa parte do enfraquecimento do real ao longo da semana se deu em razão, sobretudo, da força global da moeda americana, na esteira de falas do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, dando conta de que é preciso debater o aumento no ritmo do processo de redução de estímulos (tapering). O tom de Powell surpreendeu o mercado, que esperava um discurso mais ameno, ponderando os eventuais efeitos da variante ômicron sobre a economia americana.
Parte da pressão vinda de fora foi contrabalançada pela diminuição da percepção de risco na área fiscal, com a aprovação da PEC dos Precatórios no Senado, e também pela entrada de recursos para a renda fixa brasileira, como mostraram dados do fluxo cambial. Além de atraíram o investidor estrangeiro, os juros domésticos mais elevados tornam mais custosas as apostas contra o real no mercado futuro e estimulam exportadores a internalizar recursos.
O estrategista da Davos Investimentos, Mauro Morelli, observa que o real se mostra mais resistente aos ventos contrários externos, mas que ainda não é possível avaliar se isso se dá por conta dos juros altos ou é apenas uma recuperação natural, já que a moeda brasileira ainda está bastante desvalorizada.
"O mercado já está precificando pelo menos três aumentos de juros nos Estados Unidos do ano que vem. E o Fed deve efetivamente acelerar o processo de tapering, para ganhar espaço caso precise puxar os juros mais cedo", diz Morelli, ressaltando que o cenário desenhado tem como condicionante os eventuais impactos da variante ômicron sobre a economia global.
O payroll mostrou criação líquida de 210 mil vagas de emprego em novembro, bem abaixo da previsão dos analistas (de 573 mil). O salário médio por hora subiu 0,26%, também aquém das expectativas (0,4%). Já taxa de desemprego caiu de 4,6% em outubro para 4,2% no mês passado, abaixo do consenso do mercado (4,5%).
Houve revisão, porém, dos dados de geração de vagas em outubro (de 531 mil para 546 mil) e setembro (de 312 mil para 378 mil). Além disso, serviram de contrapeso ao payroll fraco de novembro os resultados acima do esperado do setor de serviços e das encomendas à indústria nos EUA.
Com a economia americana dando sinais de vitalidade e a inflação rodando em patamares elevados, a sensação é que o Fed vai mesmo acelerar o tapering, abrindo as portas para uma alta de juros já no primeiro semestre de 2022. Dados do CME Group mostram que é majoritária a aposta em elevação dos juros já em maio do ano que vem.
A presidente da distrital de Cleveland do Fed, Loretta Mester, advertiu que a variante ômicron pode alimentar ainda mais a inflação nos EUA, ao pressionar as cadeias de suprimento. Mester disse que apoiaria a aceleração do tapering, para que o BC americano tivesse mais flexibilidade no ajuste da taxa de juros. O presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, conhecido pelo tom mais duro, foi além e disse que, logo após o fim do tapering, o BC americano deveria reduzir seu balanço – o que significa reduzir a liquidez no mercado.
No front doméstico, chamou a atenção a queda de 0,6% da produção industrial em outubro ante setembro, um dia após a divulgação de queda de 0,1% do PIB na margem no terceiro trimestre. Esse quadro reforça a expectativa de que Banco Central mantenha o ritmo de aperto monetário e eleve a taxa Selic em 1,5 ponto porcentual na semana que vem.
O mercado monitora as negociações em torno da promulgação de trechos da PEC dos Precatórios, aprovada ontem pelo Senado com alterações em relação ao texto que saiu da Câmara dos Deputados. Fontes ouvidas pelo Broadcast disseram hoje que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) teria deixado a decisão sobre a promulgação para segunda-feira (6).
O dispositivo que muda o cálculo do teto e abre espaço de R$ 62,2 bilhões no próximo ano já poderá ser promulgado pelo Congresso. O limite no pagamento de precatórios, por sua vez, que abre uma folga de R$ 43,8 bilhões, foi alterado. A discussão é se a Câmara terá que fazer uma nova votação desse item.
Apesar do alívio com a aprovação da PEC dos Precatórios, Morelli, da Davos Investimentos, não vê arrefecimento significativo do risco fiscal. "Não há menor convicção de que o governo vai parar por aí. Quando o texto estava na Câmara, se falava em reajuste para o funcionalismo. Existe uma vontade de gastar mais em ano de eleição", afirma.
O head de Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, destaca que o real tem se comportado bem em comparação como uma cesta de moedas emergentes, que inclui o peso mexicano e o rand sul-africano. Weigt atribui boa parte da depreciação do real nos últimos tempos ao fato de o país ter convivido com juros reais negativos e ao aumento do risco fiscal, em meio a ameaça ao teto de gastos e o debate sobre o Auxílio Brasil.
"Com a redução desses riscos, e o aumento na taxa de juros para dois dígitos, a tendência é de valorização do real contra a cesta de moedas nos próximos meses", afirma Weigt, no Twitter.
Na B3, às 18h13, o dólar futuro para janeiro era negociado a R$ 5,68400, em alta de 0,11%, com giro de US$ 11,5 bilhões.