Toneladas de ouro retiradas do subsolo da terra indígena caiapó, no Sul do Pará, movimentaram, por anos, uma complexa organização criminosa que dominava toda a cadeia do negócio ilegal, desde a abertura e exploração dos garimpos aos esquemas de lavagem do dinheiro e a venda do produto no Brasil e no exterior. A rede envolvia dezenas de empresas ligadas ao comércio de metais, cooperativas de ouro, dezenas de funcionários fantasmas e empresas sem nenhuma relação com o setor, como uma barbearia de Limeira (SP), que lavou mais de R$ 12 milhões do garimpo ilegal em 11 meses.
O Estadão teve acesso exclusivo ao relatório da Polícia Federal que embasou a Operação Terra Desolata. Deflagrada no dia 27 de outubro, a ação que contou com cerca de 200 policiais cumpriu 62 mandados de busca e apreensão, além de 12 mandados de prisão preventiva em nove Estados – Pará, Amazonas, Goiás, Roraima, São Paulo, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso e Rondônia – e no Distrito Federal.
A Justiça determinou bloqueio e indisponibilidade de valores que chegam a R$ 500 milhões em contas dos investigados. Cinco aeronaves foram apreendidas. A atividade econômica de 12 empresas foi suspensa e imóveis de 47 pessoas físicas e jurídicas, bloqueados.
O Estadão tentou contato com todos os citados na reportagem. Eles cumprem prisão preventiva. Foram procurados, portanto, os advogados, que também não foram encontrados ou não se manifestaram. O relatório, que aponta a retirada ilegal de cerca de uma tonelada de ouro por ano de terras indígenas do sul do Pará, revela, em detalhes, a audácia de membros da quadrilha. Em diversas ocasiões, eles não se mostraram preocupados em exibir nas redes sociais seus artigos de luxo, como helicópteros e carros importados, além de máquinas escavadeiras de grande porte e barras de ouro sobre a mesa.
Entre todos os investigados se destaca a atuação dos irmãos Arlan Monteiro de Almeida e Hailton Monteiro de Almeida, que estão entre os que tiveram a prisão preventiva decretada. Conhecidos como os "irmãos leiterinhos", ambos têm como atividade econômica principal a extração ilegal de ouro em território indígena. A estimativa é de que, só da terra caiapó, onde fica a base operacional da família, os irmãos leiterinhos vinham extraindo nada menos que 18 quilos de ouro por mês. Isso equivale a um faturamento mensal de aproximadamente R$ 5,4 milhões com a atividade ilegal.
O relatório da PF diz que ambos têm o crime como meio de vida. Arlan já é réu em processo criminal na 9.ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Pará e chegou a ser preso em 2020 pela própria PF em Redenção (PA). Antes da operação, estava em liberdade provisória. Com seu irmão Hailton, já respondeu por furto contra Caixa Econômica, em processo envolvendo fraudes bancárias. Hailton não tem vínculo empregatício nem é sócio ou administrador de qualquer empresa. Nas redes sociais, porém, exibe veículos de luxo, aeronaves, máquinas do tipo escavadeiras hidráulicas e até mesmo barras de ouro.
Fora das publicações digitais, a atuação dos irmãos buscava formas de se proteger da fiscalização. As investigações apontam que máquinas carregadeiras hidráulicas da família começaram a ser envelopadas com camuflagem estilo militar, para dificultar a localização feita com uso de equipamentos como os veículos aéreos não tripulados (vant) e por helicópteros.
ATUAÇÃO. As investigações da PF, com início em 2020, apontaram que a organização criminosa atuava em três níveis: extração, comércio (por intermediários) e exportação do ouro ilegalmente extraído. A extração do ouro é realizada de vários garimpos da região sul do Pará, incluindo terras indígenas.
Na ponta do processo estão várias pessoas como os irmãos Almeida, que lidam diretamente com a extração ilegal. Além desses, a PF aponta participação de garimpeiros como Gustavo Seixas, Sidney Soares, Marcus Vinicius Alvares, Walterly Guedes e da cooperativa Cooperouri. Esses garimpeiros, diz a investigação, vendiam o ouro a atravessadores – pessoas ou empresas – perto da região do garimpo. Paralelamente, faziam também transação comercial diretamente com a empresa CHM do Brasil, com sede em Goiânia, que exportava material para a Itália.
Para dar aparência de legalidade, algumas operações ocorriam por meio da Cooperouri, que tem permissão de lavra garimpeira (PLG). Mas esta fazia compra de ouro de garimpeiros não cooperados e explorava áreas fora de sua concessão.
"Não se tem dúvidas quanto à associação dos envolvidos em torno de extensa e complexa organização criminosa voltada para a prática de crimes ambientais, com foco especial na lavagem de dinheiro decorrente dos lucros obtidos com os crimes anteriores perpetrados, mediante a clara e imprescindível divisão de tarefas", conclui o relatório da PF. "A prisão destes seria a única forma de interromper ou diminuir a atuação da organização criminosa, levando-se em consideração, ainda, a comoção social que o caso requer e a própria credibilidade da Justiça ante a gravidade dos crimes apontados", continua.
ENVOLVIDOS. Os investigados poderão responder por crimes de usurpação de bens da União, integração de organização criminosa e lavagem de dinheiro, além de penas previstas pela Lei de Crimes Ambientais. A Cooperativa de Garimpeiros de Ourilandia e Região (Cooperouri) não se manifestou até ontem. A reportagem não conseguiu contato com a empresa CHM do Brasil. A italiana Chimet SPA foi acionada, mas não se manifestou.
A reportagem não conseguiu contato com os investigados Arlan Monteiro de Almeida, Hailton Monteiro de Almeida, Gustavo Machado Seixas, Sidney Soares Gomes Brito, Marcus Vinicius Alvarez Guimaraes, Patricia Ferreira Soffa, Douglas Alves de Morais, Fabio Monteiro da Silva, Giacomo Dogi, Walterly Guedes Pereira dos Santos, Vergelina Pereira dos Santos e Andre Felipe Picone Rosa. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>