Empresas de médio porte recorrem ao governo para manter salários em dia

Empresas de médio porte, com faturamento acima de R$ 10 milhões anuais, reclamam de falta de apoio do governo federal para amenizar os efeitos da pandemia do novo coronavírus. Na semana passada, elas ficaram de fora do pacote anunciado para ajudar pequenas e médias companhias (com receita entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano) no pagamento da folha de salários por dois meses. Alguns empresários falam em risco para honrar os compromissos salariais já em abril e se queixam da falta de crédito no mercado.

O presidente da Fiesp e do Ciesp, Paulo Skaf, levou a reclamação ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Em sua avaliação, além do pacote ter de incluir todas as empresas, sem trava de faturamento, são necessárias ferramentas para garantir o capital de giro das companhias.

Segundo ele, é preciso ter outras linhas com garantia do Banco Central para que os bancos emprestem. Skaf disse que o governo aumentou a liquidez no mercado, reduzindo o compulsório dos bancos, por exemplo, mas ainda assim as empresas estão com dificuldades de acessar os recursos. "O dinheiro tem de chegar nas mãos das empresas."

Alguns executivos confirmam a falta de liquidez no mercado. O presidente da Enjoy Hotéis e Resorts, Alexandre Zubaran, que tem hotéis e restaurantes em Olímpia (SP), afirma que nos últimos dias tentou antecipar recebíveis de cartão de crédito, mas teve a negativa da operadora. "No mundo real, não há liquidez nem oferta de crédito", afirmou ele.

Para as empresas com faturamento acima de R$ 10 milhões, diz Zubaran, o trabalho tem sido lento, descoordenado e cheio de sinais contraditórios. "Já estamos na terceira semana, vai virar o mês e não sei o que fazer com a folha de pagamento", disse ele, citando o vaivém das medidas e divergências entre representantes dos Estados, municípios e governo federal.

O presidente do Sistema Integrado de Parques e Atrações Turísticas (Sindepat) e do Beach Park, Murilo Paschoal, disse que também esteve em Brasília conversando com integrantes do governo para explicar a situação do setor, cuja cadeia emprega 4 milhões de pessoas. "Precisamos de medidas que ajudem a pagar o salário dos funcionários, já que o faturamento das empresas zerou."

<b>Seguro-desemprego</b>

Uma das sugestões é o governo usar o seguro desemprego para pagar os funcionários, pois, se os empregadores demitirem, já teria de fazer o desembolso de qualquer forma. "A maioria das empresas do setor tem caixa para pouco tempo."

André Ricardo Telles, presidente da Ecosan, que desenvolve e produz equipamentos e sistemas para tratamento de água e efluentes, também disse temer pela falta de recursos. "Em uma única semana, vários fornecedores cancelaram contratos", disse Telles. "E grandes empresas que tinham pagamentos agendados já não estão pagando; não sei se estão preservando dinheiro ou, pelo fato de estarem trabalhando em home office, há dificuldades técnicas para o pagamento."

O executivo afirmou que tem tentado falar com clientes, e que nenhum deu explicação sobre quando os pagamentos serão realizados.

Telles afirmou ter caixa para pagar os funcionários, "que são prioridade no momento", mas, por não receber de seus clientes, vai ter de selecionar quais fornecedores poderá pagar. Segundo ele, se tivesse acesso ao pacote do governo, não precisaria se preocupar com o pagamento dos funcionários "e poderia priorizar outras coisas".

<b>Calçados</b>

O presidente da Associação Brasileiras da Indústria de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, também reclama da falta de caixa das médias empresas. Segundo ele, muitas companhias do setor, que emprega 270 mil funcionários diretos, correriam o risco de não ter tempo hábil para conseguir pagar os salários de março integralmente.

"O grande receio que temos é de ocorrer uma convulsão social, caso as empresas não consigam pagar os salários nos próximos dois meses", afirmou Ferreira, para quem o pacote de ajuda para pagamento salarial não deveria ter teto. Segundo ele, 38% das empresas do setor são de micro ou pequeno porte.

O gerente de política industrial da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), João Emílio Gonçalves, também defendeu que o plano do governo deveria ter cobertura maior para atingir empresas com faturamento superior. Ele ressalta que, sem ajuda imediata, várias empresas não conseguirão sequer pagar os salários de março.

A linha aberta pelo BNDES para financiar capital de giro de empresas com faturamento de até R$ 300 milhões ao ano engloba parte das empresas. Porém, disse Gonçalves, as taxas de juros no mercado podem atingir mais que o dobro da cobrada pelo programa recém-aprovado (de 3,75% ao ano), dependendo do spread cobrado pelos agentes financeiros.

Além disso, disse ele, é preciso regulamentar o sistema nacional de garantias para que as empresas consigam ter acesso às linhas de financiamento. "Do contrário, não adianta ter recursos em boas condições se a empresa é barrada na análise de riscos."

"As empresas precisam de uma linha para capital de giro em condições competitivas com o momento atual, pois, com redução geral da demanda, a situação de várias delas é preocupante", disse Gonçalves. "Também é preciso uma medida para postergar o pagamento de impostos por 90 dias, assim como foi feito com as empresas do Simples."

Procurado, o Ministério da Economia disse que o grupo de monitoramento da crise econômica relacionada à covid-19 analisa "diversas alternativas para reduzir os impactos da pandemia para o setor produtivo e para o setor público, com o objetivo de preservar especialmente a população mais vulnerável". Mas disse que não comenta medidas em análise. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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