O presidente Jair Bolsonaro fez ontem novo pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV e disse que o efeito colateral do coronavírus não pode ser pior do que a própria doença. O discurso do presidente foi acompanhado por panelaços em todo o País. Uma semana após ter tratado a pandemia como uma "gripezinha", Bolsonaro distorceu uma declaração do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para defender o fim da quarentena e dizer que está certo na condução da crise.
Sob pressão dos ministros mais próximos, Bolsonaro baixou o tom e pôs a preocupação com a "vida" no mesmo patamar que o "emprego". Pediu, ainda, união do Parlamento, Judiciário, governadores e prefeitos para enfrentar a pandemia.
"Temos uma missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos. Por um lado, temos que ter cautela com todos, principalmente os mais velhos. Por outro, temos que combater desemprego que cresce rapidamente. Vamos cumprir esta missão ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas", afirmou o presidente. "Infelizmente, teremos perdas neste caminho."
Ao longo do dia, Bolsonaro já havia recorrido a declarações do diretor da OMS. Ao defender o retorno ao trabalho, argumentou que Tedros também tinha tomado essa direção, mas acabou desmentido horas depois.
Acuado, Bolsonaro procurou afastar comentários de que está em confronto com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, a quem já chamou de "egoísta" por não defender o governo. À tarde, após reunião ministerial, e escalou Moro e o ministro da Economia, Paulo Guedes – que andava sumido – para uma coletiva no Palácio do Planalto.
Os dois apareceram ao lado do chefe da Casa Civil, Braga Netto, e do titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Durante a entrevista, Braga Netto passou várias vezes uma "cola" para os ministros. Nos bilhetes, havia informações sobre o que deveria ser dito.
Apesar da estratégia construída novamente pelo Planalto para unificar o discurso, Mandetta desmentiu Bolsonaro e negou que a OMS tenha defendido o retorno imediato das pessoas ao trabalho.
"Nós vamos trabalhar com o máximo de planejamento. E, no momento, nós vamos fazer, sim, o máximo de distanciamento social, o máximo de permanência dentro das nossas residências (…) para que a gente possa chegar ao momento de falar estamos mais preparados e entendemos aonde vamos", disse Mandetta. "Precisamos lançar camadas de proteção, especialmente para os mais frágeis", endossou Guedes.
O Congresso aprovou o pagamento de R$ 600 mensais para que trabalhadores informais fiquem em casa no período de pico da doença. A lei que oficializa o benefício, porém, ainda não foi sancionada por Bolsonaro e a falta de agilidade nos pagamentos tem despertado críticas. Guedes tampouco deu indicação de quando o dinheiro começará a ser liberado. Até agora, a pandemia provocou 201 mortes no Brasil, que tem 5717 casos confirmados. Bolsonaro avalia que, se as atividades não forem retomadas logo e a economia não reagir, seu governo terá acabado.
Pela manhã, o presidente disse que o diretor-geral da OMS tinha dito que os empregados informais "têm que trabalhar" na crise. Ao contrário do que ele sugeriu, no entanto, Tedros não fez relação entre trabalho e medidas de isolamento. O presidente também omitiu trecho do discurso em que o diretor da OMS destacou a necessidade de governos de todo o mundo garantirem assistência aos mais vulneráveis.
<b>Tedros</b>
"Vocês viram o presidente da OMS ontem?", perguntou Bolsonaro a jornalistas. "O que ele disse, praticamente… Em especial, com os informais, tem que trabalhar. O discurso de Tedros ao qual Bolsonaro se referiu destacava que cada país é diferente e pregava proteção econômica aos mais necessitados. O chefe da OMS, que nasceu na Etiópia, pregou solidariedade e afirmou que as ações governamentais devem considerar as pessoas mais vulneráveis "porque todo indivíduo importa". Ele voltaria a citar Tedros no pronunciamento, à noite.
Diante da polêmica, Tedros postou uma mensagem ontem nas redes sociais dizendo que em nenhum momento se posicionou contra medidas de isolamento. "Pessoas sem fonte de renda regular ou sem qualquer reserva financeira merecem políticas sociais que garantam a dignidade e permitam que elas cumpram as medidas de saúde pública para a Covid-19 recomendadas pelas autoridades nacionais de saúde e pela OMS", escreveu.