O esquerdista Gabriel Boric venceu o ultradireitista José Antonio Kast neste domingo, 19, tornando-se o presidente mais jovem do Chile desde a redemocratização do país. Com 70% das urnas apuradas, Boric INHA uma vantagem de 500 mil votos em relação ao seu adversário. O resultado era esperado, já que as últimas pesquisas de opinião davam uma pequena margem de vitória ao esquerdista.
O novo governo assumirá o comando do Chile em março do próximo ano e encontrará pela frente uma série de desafios: a unificação do país, após uma campanha marcada pela polarização, a inflação e a implementação das regras da nova Constituição chilena, que começou a ser elaborada este ano e pode entrar em vigor em 2022.
Boric, um deputado de 35 anos – a idade mínima para se candidatar – , vinculado aos protestos massivos de 2019, defendeu em sua campanha um Estado de bem-estar com atenção especial às pautas feminista, ambientalista e regionalista. Kast, um advogado católico de 55 anos, levantava as bandeiras da redução do Estado e dos impostos, do combate à migração irregular e dos valores tradicionais.
De olho em conquistar os eleitores de centro, os dois candidatos vinham buscando moderação desde o fim do primeiro turno. "Boric adotou parte do discurso de Kast sobre ordem social e teve que mudar o conceito de refundação, com o qual trabalhava, para o de reforma, com uma orientação mais social-democrata", afirma o sociólogo do Centro de Estudios Publicos Aldo Mascareña. "Kast, por sua vez, foi orientado a oferecer garantias de que os direitos conquistados no Chile não recuariam, mantendo sua ênfase na segurança."
Essa moderação pode ajudar a conquistar a governabilidade e unir o país. Boric não terá apoio suficiente para garantir maioria simples na Câmara dos Deputados. A aliança Aprovo Dignidade, pela qual se elegeu, alcançou apenas 37 cadeiras, bem abaixo dos 55 deputados necessários para garantir maioria simples. O bloco Fuerza Social Cristiana, que apoiou a candidatura de Kast, conquistou apenas 15 cadeiras, e só poderia governar se construísse alianças com o Chile Podemos Más, dono de 53 cadeiras.
Além disso, Boric terá o desafio de conquistar o eleitorado chileno, que não manifestou apoio massivo nem a sua candidatura nem à de José Antonio Kast. Mais da metade da população apta a votar não compareceu às urnas no primeiro turno, e entre os votantes, cerca de 20% estavam indecisos ou pretendiam votar branco ou nulo no segundo turno, de acordo com uma pesquisa da AtlasIntel realizada entre os dias 1 e 4 de dezembro.
A inflação será outro grande problema. O país está sob pressão há meses e o orçamento das famílias começa a ser atingido. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Chile subiu 0,5% em novembro, acumulando 6,3% neste ano e 6,7% em 12 meses, no maior valor desde dezembro de 2008. Nesta semana, o Banco Central acelerou a retirada de estímulo monetário e elevou a taxa básica de juros em 125 pontos, maior índice desde 2014, para tentar conter a inflação. A previsão, informou o Banco Central, é de que a economia cresça entre 1,5 e 2,5% em 2022 e 0,0 e 1,0% em 2023.
A implementação da nova Constituição também pode ser um dilema. Com possibilidade de ser implementada ainda em 2022, ela irá condicionar o mandato do próximo presidente, que começará a governar com as normas atuais mas será responsável por implementar as novas normas e fazer uma verdadeira transição no país. Seu texto pode inclusive tornar o governo provisório ou modificar sua forma, passando do atual regime presidencial para um semipresidencial, por exemplo.
Além disso, a Convenção Constitucional que redige a nova Carta Magna é de maioria progressista. Embora Boric esteja mais alinhado aos valores da Convenção que Kast, ele também deve ter dificuldades para conciliar as coisas, diz Kenneth Bunker, analista político e fundador do site TresQuintos. "A Convenção claramente está mais à esquerda que Kast, mas também está mais à esquerda que Boric", afirma. "Ela é muito semelhante ao programa de Boric no primeiro turno, mas seu novo programa, apresentado para o segundo turno e trabalhado para mostrar moderação, o posicionou mais ao centro do que a Convenção."
<b>Votação</b>
A votação foi iniciada às 8h deste domingo (horário local, também 8h no Brasil) em mais de 2.500 centros abertos em todo o país. Embora mais de 15 milhões de chilenos estivessem aptos a votar, esperava-se uma alta abstenção, aos moldes do que aconteceu no primeiro turno. Os dados oficiais ainda não foram divulgados.
O processo eleitoral registrou ao menos um grande incidente. No fim da manhã, eleitores denunciaram problemas com o transporte público,enquanto tentam se locomover aos centros de votação. Pontos de ônibus em diversas regiões da cidade registravam grandes filas, em uma cena que se repetiu em outras cidades. Os prefeitos de Santiago, Quilpué e Maipu protestaram contra a situação.
As campanhas dos dois candidatos se manifestaram sobre o caso. Boric afirmou que menos de 50% do transporte público estava funcionando no país e chegou a afirmar que o governo do presidente, Sebastián Piñera, buscava "boicotar" as eleições. "Mais adiante, veremos as responsabilidades. O importante agora é garantir o voto", disse o candidato. Kast se manifestou mais tarde, dizendo "É um dia que todos temos que colaborar. A nós, interessa que grande parte das pessoas vá votar."
A ministra dos Transportes, Gloria Hutt, reconheceu o problema ao longo do dia. "Há episódio de congestionamentos em vias importantes, e isso afeta a fluidez dos trajetos do transporte público, quando não há via exclusiva. Com isso, os tempos de espera aumentaram", disse em entrevista coletiva.
O porta-voz do governo, Jaime Bellolio, por sua vez, negou as acusações de que há uma estratégia em prática para que as pessoas não votem neste segundo turno. "Temos cerca de 75% mais ônibus circulando do que em um domingo normal", disse o representante do Executivo.