O dólar até flertou com um fechamento abaixo do piso psicológico de R$ 5,00 na sessão desta quarta-feira, 23, ao registrar mínima de R$ 4,9946 (-1,14%) no meio da tarde, mas acabou reduzindo o ritmo de queda nos minutos finais do pregão na esteira da piora do ambiente externo, marcado por aceleração dos ganhos da moeda americana frente a divisas fortes e perda mais acentuada das bolsas em Nova York.
Mesmo assim, a divisa terminou o dia em baixa expressiva, de 0,95%, a R$ 5,0042 – menor valor de encerramento desde 30 de junho (R$ 4,9732). Nos últimos quatro pregões, a moeda já acumula queda de 3,148%, levando a desvalorização em fevereiro a 5,69% – nível superior às perdas de janeiro (4,84%). Com isso, o dólar apresenta um recuo de dois dígitos (10,25%) em 2022, após fechar o ano passado com ganhos de 7,46%.
Operadores relataram nova onda de fluxo de recursos para ativos domésticos nesta sexta-feira e aumento do apetite por operações de "carry trade" (que exploram diferencial de juros interno e externo), após a alta de 0,99% do IPCA-15 de fevereiro – acima da mediana de 0,87% de Projeções Broadcast – ratificar as apostas de que a taxa Selic (hoje em 10,75%) vai se aproximar de 13% nos próximos meses.
Uma vez mais, o real liderou os ganhos entre as divisas emergentes, com desempenho bem superior a pares como o peso mexicano e o colombiano. Destaque negativo ficou mais uma vez com o rublo, que apresentou perdas de mais de 3%, na esteira das tensões geopolíticas. A despeito de imposição de sanções por União Europeia e Estados Unidos à Rússia, a possibilidade de uma ação militar russa na Ucrânia permanece no radar dos investidores, após relatos de ataques cibernéticos.
Por aqui, além da perspectiva de aperto monetário ainda mais intenso, mesmo com o Banco Central brasileiro já ostentando o título de mais agressivo do mundo, analistas afirmam que outros indicadores domésticos divulgados hoje deram força ao real. A arrecadação federal recorde de R$ 235,321 bilhões em janeiro (crescimento real de 18% na comparação anual ) e números positivos do setor externo – aliados ao aparente abandono das PECs dos Combustíveis no Congresso – diminuem a percepção de risco e, por tabela, refreiam apostas em uma reversão súbita do fluxo de recursos estrangeiros.
Pela manhã, o BC informou que o fluxo cambial em fevereiro (até dia 18) está positivo em US$ 5,200 bilhões, fruto, principalmente, da entrada líquida de US$ 4,647 bilhões pelo canal financeiro. Já o Investimento Direito no País (IDP), dinheiro de longo prazo, somou US$ 8,851 bilhões no período e, segundo estimativa do BC, deve encerrar fevereiro em US$ 10 bilhões.
O CEO da BGC Liquidez, Erminio Lucci, observa que a entrada forte de fluxo externo e o desempenho do real pegaram o mercado de surpresa neste início de ano. Uma das explicações para a performance exuberante da divisa seria o fato de o BC brasileiro ter saído na frente de outros emergentes e realizado um aperto monetário intenso em período curto. "O estrangeiro está claramente fazendo carry trade, operando o diferencial de juros", afirma. "Vamos ter uma Selic acima de 12% em uma inflação de 5% ou 6% no ano que vem. Isso vai dar um juro real muito grande".
Lucci ressalta que a alta das commodities tem favorecido as divisas emergentes em geral e responde, em parte, também pela apreciação da moeda brasileira. O dólar, na casa de R$ 5,60 ou R$ 5,70, como visto em janeiro, claramente não representava o nível adequado tendo em vista os fundamentos das contas externas, avalia. "Uma explicação para o dólar tão alto era o fiscal desajustado e o ruído político. Mas isso parece estar melhor também", diz.
Parte da valorização expressiva do real pode estar ligada a movimento de antecipação de uma eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no pleito presidencial, argumenta Lucci. Visto como pragmático pelos investidores estrangeiros e tendo como possível companheiro de chapa o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, Lula, pela ótica do mercado, manteria certo grau de responsabilidade fiscal.
"É difícil saber até onde o movimento de queda do dólar vai. Amanhã, Bolsonaro aparece como favorito nas pesquisas ou Lula adota uma retórica muito antimercado, e o dólar sobe novamente", diz o CEO BGC Liquidez, acrescentando que não se pode descarta a possibilidade de o Congresso aprovar pacotes que fragilizem a política fiscal.
Em evento promovido pelo BTG Pactual, o gestor e sócio-fundador da SPX Capital, Rogério Xavier, disse hoje que o risco de eleições muito polarizadas, com ameaça de piora institucional e econômica, foi afastado pelo mercado – o que trouxe certo alívio para ativos domésticos. "O que tenho escutado do presidente Lula é que teremos alguma responsabilidade fiscal à frente. Vai mudar um pouco a política econômica, mas sem perder de vista a responsabilidade fiscal", disse Xavier, que não vê "nada de errado" com o comportamento dos ativos brasileiros no curto prazo, mas não acredita que o dólar se sustente nos níveis atuais.
O economista-chefe da Necton, André Perfeito, reduziu de R$ 5,20 para R$ 5,0 a sua projeção de cotação do dólar no fim de 2022, dado o aperto monetário e a alta das commodities. Para Perfeito, as eleições presidenciais, eventual escalada de conflito na Ucrânia e alta de juros nos EUA devem ter impacto reduzido no real ao longo do ano.