Em seus 36 anos de fundação, a Pixar transformou o cenário da animação. Mas há buracos nessa história brilhante, que privilegiou projetos de homens e protagonizado por homens, mesmo quando eram um rato (em Ratatouille) ou um robô (em Wall-e). Raras são as personagens principais femininas, como em Valente (originalmente um projeto de Brenda Chapman, que foi afastada por diferenças artísticas e manteve o crédito de codireção) ou em Divertidamente.
Depois de 24 longas, a Pixar estreia o primeiro filme dirigido exclusivamente por uma mulher, Red: Crescer É uma Fera, de Domee Shi, que chega hoje diretamente ao Disney+. "É meio surreal estar aqui", disse Shi, em entrevista ao <b>Estadão</b>, por videoconferência.
Nascida na China e criada no Canadá, Shi já tinha sido pioneira com o vencedor do Oscar Bao, o primeiro curta do estúdio assinado por uma mulher. "Fico honrada de ter a Pixar e a Disney apoiando essa história muito específica sobre uma garota passando por uma puberdade mágica", afirmou Shi.
Red: Crescer É uma Fera foi bastante inspirado na própria experiência da cineasta. Enquanto Bao falava da relação de uma mãe e de seu filho, Red é centrado em mãe e filha. "Eu precisava de no mínimo 90 minutos, porque essa relação é complicada", observou Shi. "Eu sou muito próxima da minha mãe, mas brigo com ela o tempo inteiro. Para mim, era um filme que precisava ser feito, porque há tanta emoção, amor, culpa e manipulação."
Meilin Lee (voz de Rosalie Chiang na versão original) é uma garota de 13 anos, boa aluna e obediente, que mora com os pais, Jin (Orion Lee) e Ming (Sandra Oh). A menina ajuda a mãe a administrar o templo da família em Toronto, na virada do século. Mei tem três amigas inseparáveis: Miriam (Ava Morse), Priya (Maitreyi Ramakrishnan) e Abby (Hyein Park). As quatro enlouquecem com a boy band 4*Town, que teve as canções compostas pelos irmãos Billie Eilish e Finneas.
Mas, de repente, a sempre bem-comportada Mei começa a querer confrontar sua controladora mãe. As emoções à flor da pele fazem com que a adolescente se transforme em um panda vermelho gigante – uma herança de família que também é uma metáfora para a puberdade em si, as transformações do corpo feminino, a explosão hormonal.
"Fazer o filme foi muito catártico", explicou Shi. "Porque durante minha vida toda fui encorajada a ser boazinha, sorrir, falar baixo, não ocupar muito espaço. E aqui há permissão para ser espaçosa, peluda, barulhenta, brava."
A produtora Lindsey Collins lembrou que houve questionamentos principalmente em relação à mãe, que espiona a filha e causa embaraço. "É interessante, porque é justamente o que queremos dizer. Talvez ela seja demais. Mas é quem ela é. Não vamos mudá-la." Ela elogiou, porém, que seus companheiros de estúdio tenham entendido e aprovado as personagens fortes.
Segundo Collins, Red é apenas o primeiro de uma série de longas da Pixar dirigidos por mulheres e encabeçados por personagens femininas. "Nossos filmes demoram para ser feitos, mas vocês vão ver." É uma pena que, como no caso do filme Luca, não haverá possibilidade de assistir ao filme nos cinemas. "Fico dividida sobre isso", concluiu Shi. "Mas pelo menos ele vai ser visto pelo maior número de pessoas possível. Eu também conheci as primeiras animações em casa, em VHS."