Em dia de nova arrancada do preço do petróleo, com o barril do tipo Brent superando US$ 120,00, o dólar à vista emendou seu sexto pregão consecutivo de queda e não apenas rompeu o piso de R$ 4,90 como fechou no menor nível em mais de dois anos. Commodities em patamares elevados, em meio ao prolongamento da guerra na Ucrânia e possibilidade de novas sanções à Rússia, sustentam o apetite de estrangeiros por ativos domésticos. E o fluxo externo alimenta apostas de fundos de investimento locais em nova apreciação do real, como observado nas movimentações no mercado futuro de câmbio.
Segundo analistas, a moeda brasileira se beneficia neste momento tanto em razão da melhoria dos termos de troca quanto pela perspectiva de manutenção de juros reais elevados, até porque o Comitê de Política Monetária (Copom) elegeu a cotação do barril do petróleo como elemento crucial para suas projeções de inflação.
Declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reiterando que o pico da inflação em 12 meses deve ser em abril, não tiraram do radar a possibilidade de a taxa Selic superar 13%. Isso a despeito do plano de voo original do BC seja, aparentemente, encerrar o ciclo de aperto em meio, com uma alta final de 1 ponto porcentual, para 12,75%. Mais detalhes do cenário do BC podem vir na quinta-feira no Relatório Trimestral de Inflação (RTI).
Em todo caso, a perspectiva de manutenção de taxa real expressiva ao longo de 2022 e de diferencial de juros elevado, mesmo que o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) suba os juros em ritmo mais rápido, favorecem as posições em real e estimulam fluxo via operações de <i>carry trade</i>. Do lado da bolsa doméstica, dados da B3 mostram que os investidores estrangeiros ingressaram com R$ 1,514 bilhão para ações na sessão de segunda-feira, 21, o que leva a entrada em março a R$ 18,381 bilhões. No acumulado do ano, os aportes externos atingem R$ 81 bilhões.
Tirando uma ligeira alta na abertura, o dólar trabalhou em queda ao longo de todo o pregão, rompendo o piso de R$ 4,85 ainda pela manhã. Na mínima, registrada à tarde, desceu até R$ 4,8337 (-1,66%). Com uma leve recuperação, a moeda fechou em queda de 1,44%, a R$ 4,8442 – menor valor desde 13 de março de 2020 (R$ 4,8163). Nos últimos seis pregões, o dólar recuou 6,10%. Em 2022, a desvalorização é de 13,12%. Outras divisas emergentes e atreladas a commodities, como o peso mexicano e o rand sul-africano, também se apreciaram nesta quarta, embora em menor magnitude.
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, ressalta que o real se beneficia tanto pela manutenção de fluxos fortes para a bolsa quanto pela percepção de taxa Selic ainda mais elevada. "Mesmo que o Fed aumente os juros para o intervalo de 2,5% à 3% até dezembro de 2022, o juro real ex-post dos EUA ainda será negativo", afirma Velho. "Isso mantém a atratividade da nossa taxa de juros para fluxos de investimentos externos e um dólar gravitando na faixa de R$ 5,00".
A presidente do Fed de Cleveland, Loretta Mester, disse nesta quarta-feira que uma alta os juros em 50 pontos-base em algum momento será necessária para normalizar a política monetária. Embora também tenha admitido a possibilidade de uma elevação dos Fed Funds em 50 pontos-base, a presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, afirmou que o BC americano não deve mover rapidamente os juros para evitar ser tão "disruptivo". No fim da tarde, o presidente do Fed de Sant. Louis, James Bullard, que prega uma ação mais enérgica do BC americano, disse que preços do petróleo nos patamares atuais já foram vistos sem causar uma recessão no EUA. A possibilidade de um tombo da economia americana e um eventual agravamento da guerra na Ucrânia, com interferência direta do Ocidente, poderiam detonar uma onda de aversão ao risco a abalar os fluxos de capitais, dizem analistas.
A economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, chama a atenção para o fato de que o "fluxo enorme" de recursos para o Brasil ser de curto prazo, possivelmente para explorar o diferencial de juros. "Não estamos vendo alocação de longo prazo. Qualquer problema conjuntural, que pode vir com a campanha eleitoral ou até uma piora da guerra, pode fazer com que o câmbio volte para um patamar mais alto", diz Consorte, ressaltando que, por ora, "o fluxo está mandando" na formação da taxa.
Para o sócio-gestor da Trópico SF2 Investimentos, Sergio Machado, o grande responsável tanto pela alta do dólar em 2021 quanto pela apreciação do real neste ano é o nível da taxa Selic. "Tirando movimentos expressivos vindos da pandemia, a moeda basicamente flutuou na direção contrária dos juros", afirma o gestor, no Twitter, ressaltando que não houve mudanças no quadro político ou fiscal, tidos como vilões da taxa de câmbio. "Tudo está igual, a moeda não. O que mudou? Os juros. Conforme as taxas de juros voltam para ao lugar de onde não deveriam ter saído, os fluxos começam se reverter e ganham velocidade. Como sempre, o fluxo é retroalimentado".