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Nas últimas duas décadas, um deputado federal mudou de partido a cada sete dias

Em poucos dias, a bancada do PTB saltou dos 26 deputados eleitos para 43. Era o começo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, e as negociações no Congresso inflavam o partido de Roberto Jefferson, que decidira aderir ao novo governo. O movimento chegou ao seu ponto mais alto em 31 de janeiro de 2003, quando 30 parlamentares mudaram de legenda em um único dia, um recorde só superado pela data da criação do PSD, quando 51 deputados se mudaram para a nova casa.

Naquele 2003, com a abertura da primeira Legislatura deste século, outro partido começou a inchar. O PL de Valdemar Costa Neto era beneficiado pela chegada de novos adeptos dispostos a apoiar Lula. O partido terminaria o período com 15 deputados a mais, fenômeno que se repetiria em intensidade muito maior agora.

Após receber a adesão do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, a agremiação deixou a janela partidária de 2022 com um saldo positivo de 35 deputados – perdeu 15 e recebeu 50. Sua bancada eleita, que, de 33 parlamentares, chegou a 74, segundo dados até a última sexta-feira da Câmara dos Deputados. Um número que, segundo o vice-líder da bancada, capitão Augusto (PL-SP), deve crescer e chegar a 77.

A história das mudanças partidárias nas cinco legislaturas deste século mostra que não é apenas a sobrevivência de partidos e de políticos que conta na hora de um deputado romper os laços com a legenda que o elegeu. O governismo e busca por agremiações amorfas ideologicamente também são componentes das mudança. E, desta vez, na janela partidária de 2022, isso não foi diferente.

É o que mostra o levantamento feito pelo <b>Estadão </b>das mudanças partidárias de deputados registradas pela Câmara de 2003 a 2022. "Quanto mais ideológico o partido, mais difícil é a mudança. Quando eles são amorfos do ponto de vista ideológico, a mudança fica mais fácil", afirmou o cientista político e colunista do <b>Estadão</b> Carlos Pereira, professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV/EBAPE).

<b>Total</b>

É como se toda semana um parlamentar mudasse de agremiação. O número inclui os casos em que o parlamentar ficou sem partido e os casos de deputados que trocaram de legenda mais de uma vez em uma mesma Legislatura. Os partidos do Centrão foram os principais beneficiados. Além deles, lucraram as novas legendas – quando a legislação permitia aos deputados levar tempo de TV e recursos do Fundo Partidário para a nova agremiação e as regras para a fusão de legendas eram menos restritivas.

Pereira afirma que os números demonstram que esses partidos são satélites de qualquer governo e maximizam os ganhos em qualquer coalizão governante. "Raramente lançam candidatos à Presidência ou são partidos do presidente, a não ser agora, quando o presidente faz a migração", disse.

A trajetória do PL/PR neste século é singular. Primeiro, a legenda abrigou José Alencar, o vice-presidente de Lula. O partido elegeu 26 deputados em outubro de 2002, mas já no momento da posse, em 2003, contava com 33 parlamentares. Chegou a ter 46 e terminou o primeiro mandato de Lula com 37, após Costa Neto renunciar ao mandato de deputado em razão do escândalo do mensalão. Na atual legislatura, novamente a proximidade com o poder favoreceu a legenda.

Além de o próprio presidente ter migrado para a sigla, o PL aproveitou outra característica marcante das trocas desta janela partidária: o componente ideológico. Quase todos os integrantes da tropa de choque bolsonarista da Câmara acompanharam o presidente. Deixaram o União Brasil, partido nascido da fusão entre o DEM e o PSL, e foram para o PL. Para lá migrou um número expressivo de integrantes da bancada da bala, principalmente militares eleitos em 2022.

<b>Incompatível</b>

O movimento dos bolsonaristas provocou reações dentro do PL. O deputado federal Marcelo Ramos, vice-presidente da Câmara, que foi um dos que deixou a legenda por incompatibilidade com o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

"Não me permito participar de qualquer projeto que ponha em risco a democracia. Defendo a democracia e abomino a tortura. E, por isso, seria incompatível ser do partido de um presidente que repudio", afirmou Ramos. Em seu primeiro mandato na Câmara, Ramos se destacou pelo diálogo com todos os partidos.

Sua saída do PL aconteceu antes da janela partidária e o aval do presidente da legenda. "Fui o primeiro a saber que o Bolsonaro ia entrar no PL. O Valdemar me telefonou. Ele foi muito correto comigo."

O deputado obteve ainda uma decisão favorável do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, para a mudança. É que desde 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) considera que o mandato do deputado federal – eleito em votação proporcional – pertence ao partido e não ao parlamentar. Sendo assim, a troca de legenda sem justa causa pode levar à perda do mandato, desde que ela seja pedida pela direção partidária.

Além da justa causa – representada pela mudança "substancial ou o desvio reiterado do programa partidário e a grave discriminação pessoal" -, o parlamentar só pode trocar de legenda durante a chamada janela partidária, que ocorre no ano da eleição. No atual período, o partido que mais perdeu deputados foi o União Brasil. BOLDNasceu com 81 parlamentares e já tinha sido reduzido a 40.

<b>Governo</b>

O governismo explica ainda o crescimento do Progressistas (PP) – partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL) – e do Republicanos, que também abrigou parte dos candidatos bolsonaristas às eleições deste ano, como o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Freitas, pré-candidato ao governo paulista. Os Progressistas chegaram a 54 deputados enquanto que os Republicanos têm agora 51 cadeiras.

Pela primeira vez no século o PT aumentou sua bancada em uma janela – tinha 54 e agora tem 55. Já a crise do PSDB se refletiu na redução de sua bancada – a legenda perdeu cinco deputados nesta janela.

Embora não tragam mais os recursos do fundo e o tempo de TV, especialistas dizem que uma das razões de os deputados serem disputados pelos partidos é a perspectiva de serem candidatos que trarão votos para a legenda – e é justamente a quantidade de eleitos que determinará a parcela dos fundos eleitoral e partidário que cada um terá nos próximos quatro anos.

Os dados obtidos pelo <b>Estadão</b> mostram ainda que neste século os partidos políticos de oposição – como o DEM, PSDB e Cidadania – foram os maiores prejudicados com a perda de deputados, além dos partidos que tiveram presidentes da República, como o PT e o MDB. "Minguam os partidos que lançam candidatos a presidente, pois quem perde vai viver quatro anos a pão e água, sem acesso aos benefícios controlados pelo Executivo e pela direção do Legislativo", afirmou Pereira.

<b>Fragmentação</b>

O contexto do início do século de infidelidade partidária foi sendo substituído ao longo dos anos: primeiro, pelo período em que surgiram os partidos com bancadas até chegar ao atual formato da janela para mudanças. Cada um desses momentos contribuiu a seu modo para a fragmentação partidária, fenômeno que começou a refluir lentamente após a instituição da cláusula de desempenho ou barreira – que limita o acesso ao Fundo Partidário e ao funcionamento legislativo de legendas que não têm um desempenho mínimo nas eleições.

Atualmente, 23 partidos estão representados na Câmara – esse número chegou a 30, entre os eleitos em 2018. Especialistas acreditam que o fim das coligações – apesar da possibilidade de federações – e a exigência de os partidos atingirem um mínimo 80% do coeficiente partidário para terem acesso à distribuição das vagas na Câmara pode levar a uma redução maior da fragmentação.

Só não se sabe o tamanho do impacto. "Ainda não é possível saber como ficará o índice de fragmentação partidária. Ele ainda é muito alto, apesar das mudanças nessa Legislatura", afirmou a cientista política Ana Lúcia Henrique Teixeira Gomes. Segundo ela, em fevereiro de 2022, antes da atual janela, esse índice estava em 15,45. "Ele era 8,4 em 2003 e chegou a 16,4 em 2019."

De acordo com ela, a atuação do TSE, ao derrubar a cláusula de barreira em 2006, foi fundamental para o aumento da fragmentação partidária no País. Atualmente, o Congresso tem apenas 4 partidos que podem ser considerados grandes, ou seja, com mais de 10% do total de parlamentares: o PL, o PT, o PP e o Republicanos – eram 2 em 2019 (PT e PSL). Os três maiores partidos da Câmara concentram agora 36% das cadeiras – em 2003, as três maiores bancadas somavam 49,3% e eram 28,2% em 2018.

A dinâmica das migrações partidárias no Congresso no período entre 2003 e 2022 pode ser simbolizada por três datas: 31 de janeiro de 2003, 26 de outubro de 2010 e 11 de abril de 2018. As três datas registraram juntas 95 mudanças de legenda de deputados federais, cada uma delas representando um período distinto das migrações que afetam o equilíbrio do plenário, a governabilidade dos presidentes e a sobrevivência de políticos e de partidos.

A primeira delas representa o tempo em que os deputados normalmente mudavam de partido no começo da legislatura, atraídos pelo apoio ao governo. "E 2003 é símbolo ainda a passagem de guarda, uma grande mudança dos governos de Fernando Henrique para Lula", destacou Carlos Pereira. A legislatura de então registrou 351 trocas. De fato, grandes mudanças no Executivo parecem incentivar o aumento da migração partidária, assim também aconteceu na 55.ª legislatura (2005-20118), quando foi registrado o impeachment de Dilma Rousseff (PT), concluindo a era petista na Presidência. O período contou com 263 trocas.

<b>Novos</b>

Outro fenômeno provocou migrações partidárias enormes no Congresso: a criação de novos partidos com de deputados eleitos. O primeiro foi o PSOL, uma dissidência do PT. Mas o maior de todos os casos foi o do PSD de Gilberto Kassab. A data de sua criação – 26 de outubro de 2010 – detém até hoje o recorde de mudanças partidárias em um único dia. Seguiram depois o Solidariedade, o PROS e o PMB até que a porta foi fechada com a mudança da legislação.

Com a criação da janela partidária, as alterações se concentraram no período em que o deputado pode deixar a legenda sem perder o mandato. Para Ana Lúcia Teixeira, o mecanismo é correto, pois o deputado deve ter a oportunidade de fazer o cálculo sobre o que é melhor para seu futuro.

Na última legislatura, o dia que concentrou o maior número de mudanças foi 11 de abril de 2018, durante a janela, com 14 migrações. O mesmo fenômeno deve ocorrer desta vez, fazendo com que recorde aconteça mais uma vez na janela.

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