Estadão

Problemas políticos e de projeto afetam quase metade das PPPs

Em outubro de 2020, um consórcio formado pela italiana Enel X venceu o leilão da PPP de iluminação pública de Macapá (AP), com deságio de 61%. O grupo seria responsável pela modernização, expansão e manutenção da rede pública da capital do Amapá, investindo R$ 100 milhões. Mas, depois do leilão, houve eleições municipais e o novo prefeito mudou de ideia sobre o processo de parceria, modelado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Até hoje, o grupo vencedor tenta assinar o contrato com o poder público, mas sem sucesso.

A PPP de Macapá está entre as 1.782 Parcerias Público-Privadas (PPPs) lançadas nos últimos anos e que ficaram pelo meio do caminho. Segundo um levantamento feito pela consultoria Radar PPP, hoje há 1.189 projetos paralisados e 593, cancelados. Juntos, eles representam quase metade de todas as parcerias lançadas no mercado e mais que o dobro daquelas efetivadas e contratadas.

"O nível de sensibilidade política das parcerias é alta. Isso explica, em parte, a elevada mortalidade dos projetos que envolvem uma série de questões (políticas e econômicas)", diz o sócio da consultoria Guilherme Naves. Segundo ele, um dos principais fatores para a mortalidade dos projetos é a falta de gestão dos governos, sobretudo das prefeituras.

Além da incapacidade para planejar um projeto dessa natureza, há também falha na comunicação das PPPs no mercado. A população precisa entender o propósito da parceria e também que se trata de um compromisso de longo prazo. Sem essa comunicação correta, a sociedade começa a pressionar e desvirtuar o projeto. Naves conta que houve um caso de um parque em que a população entendeu que a parceria era para aumentar tarifa. Isso provocou o engavetamento do projeto devido ao desgaste político.

<b>Prejuízo</b>

O prejuízo desse vaivém é enorme, seja para a sociedade, que fica sem a melhora no serviço, ou para os cofres públicos. Um projeto de PPP tem custos. Como a maioria das prefeituras – e até de Estados – não tem capacidade para fazer os estudos necessários para o processo, eles contratam empresas especializadas no assunto e isso envolve custos. Ou seja, dinheiro gasto à toa. Um caso clássico vem do governo federal, com o famoso trem-bala. Depois de muitos estudos e recursos despendidos, o empreendimento foi para a gaveta.

No passado, diz Naves, os governos abusaram das PMIs (Procedimento de Manifestação de Interesse) para compensar a falta de capacidade para fazer projetos. Nesse processo, uma empresa faz os estudos/ modelagem e, quando há o leilão, o vencedor paga a conta. Mas, com tantos cancelamentos, a iniciativa privada começou a ficar com os prejuízos. Hoje, as empresas estão mais criteriosas para fazerem esses serviços, exigindo um sinal maior das prefeituras para aceitarem o trabalho.

Mas também tem o outro lado, diz o sócio da Una Partners Daniel Keller. Algumas vezes, os governos contratam empresas que fazem projetos falhos e de baixa qualidade. O resultado é que o empreendimento não consegue ser licitado ou o leilão dá vazio, sem interessados. Isso também pode levar a um processo de judicialização, comprometendo a continuidade do projeto.

Outro prejuízo é que, ao desistir das PPPs, muitos governos optam pelo caminho mais fácil e rápido. O problema é que nem sempre é o mais barato para a população. De uma forma ou de outra, a sociedade sai prejudicada.

<b>Planejamento estratégico</b>

Para Daniel Keller, a origem desses problemas está na crônica falta de planejamento estratégico do País. Mas alguns Estados têm conseguido resultados importantes, estruturando equipes para tocar projetos e parcerias. "Em São Paulo, há um time eficiente e experiente que resolve essa lacuna. Minas Gerais também tem feito um trabalho interessante, com êxito em alguns projetos. Mas isso não é para todos. É difícil contratar e ter bons times para a estruturação."

Por esse motivo, BNDES e Caixa têm feito um trabalho nesse sentido, estudando e modelando projetos Brasil afora, diz João Pedro Cortez, sócio da Vallya. "Eles estão com boa estrutura para reduzir a mortalidade das parcerias. Além disso, deixam os projetos mais sérios, com comprometimento financeiro." O problema é que, sozinhos, não dão conta da enorme demanda do País, com mais de 5 mil municípios. "É preciso ter uma ação estruturada que atenda aos pequenos municípios."

Ele destaca que muitas vezes o poder público, sem informações adequadas sobre o processo, acaba iniciando um projeto por impulso, sem saber a viabilidade real da parceria. Aí, no meio do caminho, depois de gastar recursos públicos, descobre que não dá para levar o empreendimento adiante.

Na avaliação dos especialistas, embora haja um fator político difícil de ser controlado, é preciso dar um apoio técnico, especialmente às prefeituras, para lançar projetos mais estruturados, e não somente intenções. "O problema da mortalidade das PPPs não vai acabar, mas há caminhos para reduzir os números."

A Prefeitura de Macapá não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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