Em dia de nova leitura sobre a inflação ao consumidor nos Estados Unidos, e de comentários de Lael Brainard, integrante do board do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) a quem o mercado sempre escuta com atenção, o Ibovespa devolveu os ganhos moderados vistos pela manhã e rateou no meio da tarde, acomodando-se a princípio perto da linha de estabilidade, depois mergulhando ao negativo enquanto os avanços tímidos em Nova York se transformavam também em perdas, em dia de boa recuperação para o petróleo, após queda em torno de 4% na segunda-feira para Brent e WTI.
Nesta terça-feira, tanto a referência americana como a global retomaram os três dígitos, com o barril do WTI a US$ 100 e o do Brent a US$ 104 no fim da tarde, em alta de 6%, sem que as ações de Petrobras (ON +0,11%, PN -0,29%) conseguissem acompanhar o movimento. O dia foi moderadamente positivo para o setor de siderurgia (CSN ON +0,86%, Usiminas PNA +0,62%), mas negativo para Vale (ON -0,67%) assim como para os grandes bancos (Itaú PN -1,77%, Unit do Santander -1,32%).
Ao final, a referência da B3 mostrava recuo de 0,69%, a 116.146,86 pontos, a terceira retração consecutiva, bem mais perto da mínima (116.054,40), do fim da tarde, do que da máxima (118.615,38), no início da sessão, da qual saiu de abertura aos 116.963,38 pontos. Foi o menor nível de fechamento desde 18 de março (115.310,91). Ainda fraco, na véspera de vencimento de opções sobre o Ibovespa, o giro financeiro ficou em R$ 24,7 bilhões. Na semana, o Ibovespa cede 1,84% e, no mês, 3,21%, colocando os ganhos do ano a 10,80%.
Na ponta do Ibovespa, destaque para Cogna (+4,49%), à frente de Cielo (+4,03%), Ultrapar (+3,21%) e Assaí (+2,81%). No lado oposto, Banco Inter (-8,54%), Méliuz (-5,00%), Marfrig (-4,73%) e Yduqs (-3,63%).
A inflação, desta vez nos Estados Unidos, esteve mais uma vez no foco dos investidores. "O melhor que se pode dizer é que o núcleo do CPI nos EUA ficou abaixo do esperado, em apenas 6,5% ao ano, maior alta desde agosto de 1982, e isso pode dar algum alívio aos mercados, que estavam se preparando para o pior cenário. O ponto principal agora é se a inflação atingiu o pico e, em caso afirmativo, em que ritmo ela cairá. Embora essa leitura provavelmente bloqueie ação mais agressiva do Fed no curto prazo, há alguma razão para acreditar que o CPI cairá o suficiente até o final do ano para evitar ação mais severa do Fed", aponta em nota Matt Peron, diretor de pesquisa da Janus Henderson Investors.
A inflação ainda bem alta nos Estados Unidos, e o efeito que produzirá sobre o comportamento do Fed nos próximos meses, combina-se, no Brasil, à incerteza sobre a extensão do ciclo de alta da Selic, iniciado bem mais cedo do que nas economias centrais e que parecia, até há pouco, perto de conclusão – um consenso que parece ter ficado embaralhado recentemente, em contexto de inflação mais forte em economias como a americana, a chinesa e mesmo a europeia, sob pressão das commodities.
"A inflação cuidará de si mesma se os riscos geopolíticos melhorarem. E as expectativas devem permanecer, de que o Fed não terá que apertar agressivamente a política monetária e enviar a economia dos EUA a uma recessão", observa em nota Edward Moya, analista de mercado da Oanda em Nova York.
Aqui, "o IPCA de sexta-feira veio acima do esperado e foi natural a reação de Campos Neto presidente do BC, surpreso com a inflação e mais duro no comentário, no que fez bem. Mas acho que a Selic não vai além de 12,75%", diz Daniel Miraglia, economista-chefe do Integral Group. "Vai ter efeito importante na inflação de abril e maio a queda do gás, da energia elétrica, e mesmo da gasolina, que pode cair mais para frente pelo comportamento do petróleo. Devem parar os integrantes do Copom um pouco nos 12,75% para ver e entender melhor, especialmente o que vai acontecer com as commodities, que têm causado essa alta", acrescenta.
"As taxas de juros longas continuam subindo aceleradamente nos Estados Unidos, o mercado ainda não encontrou a taxa de equilíbrio nominal para os fed funds, que pode ser bem mais alta do que se espera atualmente. Na próxima reunião do Fomc, em maio, pode vir recado mais duro sobre juros e redução do balanço do Fed. Se o recado vier a ser dado, deve ter alívio em preço de commodities, pelo lado da demanda, com desaceleração já em andamento na China e também chegando aos Estados Unidos, no segundo semestre, o que deve trazer preços de commodities, palatáveis, mais para o meio do ano", conclui Miraglia.
Nesta terça, Lael Brainard, do Fed, afirmou que a inflação continua "muito elevada" nos Estados Unidos, mas também notou que o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) de março, divulgado pela manhã, mostrou desaceleração "digna de nota" em seu núcleo – que expurga o índice de itens considerados voláteis, como alimentos e energia. Em entrevista virtual no evento Wall Street Journal Jobs Summit, a integrante do board do Fed não quis adiantar, contudo, se defenderá alta de 50 pontos-base na reunião de política monetária de maio. Mas observou que o BC americano conduzirá um aperto "metódico, com uma série de altas" nos juros.
No Brasil, segundo dados divulgados pelo IBGE, o volume de serviços caiu 0,2% na margem em fevereiro – em comparação a fevereiro de 2021, houve alta de 7,4%. "O resultado surpreendeu principalmente por um contraste pouco usual com os indicadores de mobilidade e com as sondagens do setor de serviços – ambas apontavam para um crescimento na margem", observa em nota a Terra Investimentos.
"Em semana de baixo número de indicadores econômicos, até por conta do feriado, ficamos à mercê do mercado internacional, com temor nos últimos dias em torno de algumas falas mais duras de integrantes do BC americano e a incerteza, ainda, sobre o conflito no Leste Europeu. Melhor do que o esperado, a inflação nos Estados Unidos chegou a contribuir com algum apetite por risco, mais cedo, o que se refletiu especialmente no câmbio com dólar em queda de 0,29%, a R$ 4,6767 no fechamento. Olhando para frente, há a questão do aumento de juros nos Estados Unidos, que se vier mais intenso, pode atrapalhar essa correção do câmbio", diz Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest.