Ao menos 15 ministros estiveram presentes em agendas que reuniram, neste ano, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro e o presidente Jair Bolsonaro, acusado pelo ex-juiz da Lava Jato de tentar interferir politicamente na Polícia Federal. Em depoimento prestado no âmbito de investigação aberta para apurar as declarações contra Bolsonaro, Moro mencionou que ex-colegas participaram de reuniões entre o presidente e ele, enquanto ainda era ministro.
A ideia seria listá-los como eventuais testemunhas de falas ditas por Bolsonaro durante os encontros, o que pode levá-los a serem ouvidos durante as investigações.
De acordo com a agenda pública do presidente, neste ano foram realizadas 11 reuniões em que Moro esteve com o presidente da República junto de ex-colegas. Nas agendas, os ministros que mais estiveram reunidos com Bolsonaro e Moro são os responsáveis pela Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. Ramos participou de oito encontros com os dois, enquanto Heleno marcou presença em sete reuniões.
Os dois são do núcleo militar do governo e estão entre os ministros mais próximos de Bolsonaro. Quando a crise interna que antecedeu o pedido de demissão de Moro esquentou no governo, Heleno, Ramos e o ministro da Casa Civil, Braga Netto, entraram em campo como "bombeiros" para tentar segurar a saída do ex-juiz.
A última reunião com a participação de mais ministros ocorreu no dia 22, uma quarta-feira, dois dias antes de o ex-ministro pedir demissão. No encontro, além de Moro, estavam mais 20 integrantes do primeiro escalão do governo e os presidentes de bancos públicos. No dia seguinte, o ex-juiz voltou a se reunir com Bolsonaro, no Palácio do Planalto, mas sozinho. Foi quando avisou que deixaria o cargo caso o presidente insistisse em trocar o comando da Polícia Federal.
Na semana passada, Bolsonaro chegou a dizer que divulgaria a gravação de um encontro anterior, no dia 14, quando teria cobrado do ex-juiz da Lava Jato que se posicionasse sobre prisões, consideradas por ele "ilegais", de pessoas que furaram a quarentena imposta por prefeitos e governadores para evitar a propagação do novo coronavírus. Ele desistiu, no entanto, após ser aconselhado a não tornar a conversa pública.
A lista de encontros oficiais também inclui reuniões com os ministros Paulo Guedes (Economia), Fernando Azevedo (Defesa), Onyx Lorenzoni (Cidadania), Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), Braga Netto (Casa Civil), Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), Ernesto Araújo (Itamaraty), Wagner Rosário (Controladoria), André Luiz Mendonça então AGU e agora na Justiça), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), além de Luiz Henrique Mandetta, agora ex-ministro da Saúde.
Em fevereiro, inclusive, junto de Azevedo e Heleno, Moro esteve reunido com Bolsonaro ao lado do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, seu homem de confiança, e o escolhido pelo presidente para ocupar o comando da corporação, Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A demissão de Valeixo por Bolsonaro foi o estopim da crise entre o mandatário e o ex-ministro da Justiça.
Fora esses encontros de Moro e Bolsonaro, ambos estiveram presentes nas reuniões do Conselho de Governo, em que o quadro ministerial – são 22 ministros de Estado – se encontra com o chefe do Executivo para avaliar, periodicamente, as ações da gestão.
<b>Acompanhe o caso</b>
Magistrado por 22 anos, Moro foi responsável por conduzir ações que levaram políticos como o ex-presidente da República Luiz Inácio do Lula da Silva (PT) e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, à prisão. Alçado ao posto de superministro na gestão Bolsonaro, o ex-juiz se despediu do comando da pasta de Justiça e Segurança Pública de forma explosiva. Segundo ele, o presidente queria mexer no comando da PF para obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência. Suas declarações deflagraram a abertura de um inquérito perante o Supremo Tribunal Federal (STF), para o qual o ex-ministro prestou o depoimento no último sábado, 2.
"O presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência, seja diretor, superintendente, e realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm de ser preservadas", disse Moro no dia em que anunciou sua saída do governo.
Três dias após a exoneração de Valeixo ser publicada, Bolsonaro nomeou Ramagem para chefiar a PF. O delegado ganhou a confiança do presidente com o apoio do vereador Carlos Bolsonaro, seu filho 02. A posse, no entanto, foi frustrada por uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Provocado por uma ação do PDT, Moraes suspendeu a nomeação de Ramagem em razão das acusações de Moro sobre a tentativa de interferência do chefe do Executivo na PF. Para o ministro do STF, que foi criticado por Bolsonaro pela decisão, o caso poderia representar desvio de finalidade.
Nesta segunda-feira, 4, Bolsonaro nomeou o delegado Rolando Alexandre de Souza para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. O decreto em que oficializa a decisão foi publicação em edição extra do Diário Oficial da União nesta segunda-feira, 4. Ex-secretário de Planejamento e Gestão da Abin, Rolando é considerado "braço direito" de Ramagem.