A lua de mel dos mercados com o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) não durou nem 24 horas. Depois de celebrar na quarta-feira a fala do presidente da instituição, Jerome Powell, que tirou do radar uma alta de 0,75 pontos-base da taxa básica em junho, investidores bateram nesta quinta-feira, 5, em retirada de ativos de risco e correram para se abrigar no dólar diante do ressurgimento do fantasma da estagflação global.
A combinação de aperto monetário nos Estados Unidos mesmo que ao ritmo de 0,50 ponto por reunião – aliada a dados decepcionantes da atividade na China e na Alemanha – despertam temores de desaceleração abrupta da atividade mundial em meio a uma inflação ainda em níveis elevados. O PMI composto da China – que persiste na política de <i>lockdown</i> para conter a covid-19 – recuou de 43,9 em março para 37,2 em abril – segunda maior queda da serie histórica. Os gargalos de oferta provocados pela guerra na Ucrânia, que parece longe de um desfecho, e os efeitos colaterais das sanções do Ocidente à Rússia também pesam.
A moeda norte-americana experimentou um forte movimento global de valorização. O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – trabalhou na maior parte do dia em alta superior a 1% e chegou flertar com os 104,000 pontos ao correr até a máxima de 103,942 pontos. Quem mais apanhou foi a libra, com perdas superiores a 2% ante o dólar.
O Banco da Inglaterra (BoE) subiu os juros em 25 pontos-base, como esperado, mas alertou para pressões inflacionárias adicionais e passou a prever retração da economia do Reino Unido em 2023.
As divisas emergentes caíram em bloco. O rand sul-africano amargou as perdas mais pesadas, da ordem de 3%. A taxa da T-note de 10 anos, o principal ativo do mundo, voltou a se situar acima de 3%, tendo atingido 3,10% na máxima.
A economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, afirma que, a despeito de Powell ter afastado uma alta de 0,75 ponto porcentual da taxa básica americana em junho, o mercado se pergunta se o BC americano não vai "precisar em algum momento" promover um ajuste monetário mais agressivo para conter a inflação. "Estamos vendo um movimento de correção em relação a ontem. Os juros dos Treasuries estão subindo bastante e isso impacta de forma negativa as moedas emergentes", afirma.
No mercado doméstico de câmbio, a corrida pela divisa começou já no início dos negócios, com o dólar abrindo em alta de quase 1%, na casa de R$ 4,95. A barreira dos R$ 5,00 foi superada ainda pela manhã e, no início da tarde, a divisa correu até máxima a R$ 5,0584 (+3,16%) no início da tarde. No fim do dia, com moderação do ritmo de alta da moeda americana no exterior, o dólar à vista era cotado a R$ 5,0165, em alta de 2,30%. No acumulado do ano, as perdas ainda são de dois dígitos (-10,03%).
Para o estrategista-chefe da Inv, Rodrigo Natali, após "erros sucessivos do Fed em diagnosticar a resistência da inflação", o mercado já não tem tanta confiança de que o BC americano vai conseguir pôr os preços nos trilhos sem uma alta mais agressiva dos juros e consequente desaceleração da atividade. "Essa disparada das taxas dos Treasuries é um claro sinal de que o mercado vê a necessidade de o Fed ir mais rápido. A aposta em alta da taxa em 0,75 ponto, que havia desaparecido na quarta após a fala do Powell, voltou com força", diz Natali.
Em meio à onda global de fuga do risco, eventuais impactos da perspectiva de continuidade do aperto monetário no Brasil, que, em tese, é benéfica para o real, ficaram em segundo plano. Após elevar a taxa Selic na quarta-feira em 1 ponto porcentual, para 12,75%, o Copom deixou a porta aberta para alta adicional em junho.
Algumas casas reviram a expectativa para o tamanho total do ciclo após a decisão do Copom. O UBS BB, por exemplo, elevou a previsão da taxa Selic terminal de 12,75% para 13,25%, com alta de 0,50 ponto porcentual em junho. A Renascença DTVM também elevou a projeção para a taxa básica de 12,75% para 13,25%. Já o Credit Suisse reiterou suam perspectiva de taxa Selic a 14%, com elevação de 0,75 ponto em junho e de 0,50 ponto em agosto.
Para Natali, da Inv., com dados positivos da balança comercial, taxa de juros interna elevada e bons resultados fiscais correntes, ainda há espaço para que o dólar volte a se situar abaixo dos R$ 5,00 no curto prazo. "Os mercados locais de bolsa e de renda fixa estão bem mais frágeis. O trade mais atraente para os gestores ainda é de aposta na queda do dólar assim que diminuir um pouco o estresse lá fora", afirma Natali.
Entre os indicadores do dia, a balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 8,148 bilhões em abril, abaixo da mediana de Projeções Broadcast, de US$ 9,630 bilhões. Foi, contudo, o segundo melhor resultado para o mês da série histórica, atrás apenas de abril do ano passado (US$ 9,963 bilhões). Em 2022, a balança acumula superávit de US$ 19,947 bilhões, crescimento de 10,5% em relação ao ano passado.