A guerra de quase um mês da Etiópia contra as forças rebeldes do norte pode estar se transformando em um conflito de guerrilha, disseram especialistas na terça-feira, 1º, embora as tropas federais tenham declarado vitória depois de capturar a capital regional de Tigré no fim de semana.
Acredita-se que os combates desde 4 de novembro tenham matado milhares de pessoas, bem como forçado os refugiados a entrar no Sudão, na Eritreia e agravou a fome e o sofrimento entre os mais de 5 milhões de habitantes de Tigré.
Relatos de confrontos entre os soldados do primeiro-ministro Abiy Ahmed e a Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF) ainda chegavam da região, embora as comunicações continuem em grande parte cortadas e o acesso externo bloqueado.
Abiy acusa a TPLF de traição, especificamente por atacar uma base do exército, enquanto a TPLF diz que seu ex-camarada militar e parceiro no governo quer dominar o grupo étnico pelo poder pessoal. Ambos os lados zombam das acusações do outro.
As forças federais tomaram Mekelle, capital de Tigré, em poucas horas no sábado. Os líderes da TPLF fugiram para as montanhas, dizendo que estavam resistindo e fazendo prisioneiros.
Questionado sobre os combates em curso, o chefe da TPLF, Debretsion Gebremichael, disse em um texto: "Em três direções. Dois em torno de Mekelle, a 50 km de distância."
Não houve resposta imediata do governo.
A Reuters não foi capaz de verificar as alegações de ambos os lados.
<b>Pequenas batalhas continuam</b>
Mesmo depois do governo etíope ter declarado no sábado o controle total sobre Tigré, os conflitos continuam. O governo regional de Tigré denunciou que forças da Etiópia e Eritreia vinham bombardeando a região com artilharia pesada e denunciou que civis e infraestrutura foram alvos.
Duas estações de TV regionais de Tigré, incluindo a Dimtsi Woyane (Voz da Revolução) da TPLF, ainda estavam no ar, embora não estivesse claro de onde estavam transmitindo. A mídia afiliada ao governo ainda não divulgou nenhuma imagem de Mekelle.
Um trabalhador humanitário das Nações Unidas em contato com pessoas em Tigré disse que grandes áreas continuam fora do controle federal e que os combates ainda estão ocorrendo em várias frentes. Ainda havia pouca coordenação com os trabalhadores humanitários, acrescentou a fonte.
"Há pequenos conflitos em muitas partes de Tigré e estamos vendo as marcas do início de uma insurgência", disse o especialista do Chifre da África Rashid Abdi em um fórum online.
"O terreno, a geografia e a história sugerem que esta será uma insurgência longa e prolongada."
Tanto o exército federal quanto a TPLF têm longa experiência militar – desde a derrubada de um ditador marxista em 1991 até o combate contra a Eritreia, de 1998 a 2000.
Embora em menor número e expulsos de sua capital, os tigré podem explorar so terreno montanhoso e as longas fronteiras com o Sudão e a Eritreia.
<b>Refugiados</b>
A agência de refugiados da ONU apelou para o acesso a 96 mil refugiados eritreus em Tigré, onde se acreditava que a comida estava acabando.
"Nossa extrema preocupação é que ouvimos sobre ataques, os combates perto dos campos, sobre sequestros e remoções forçadas", disse o porta-voz Babar Baloch em uma coletiva de imprensa em Genebra.
Em um discurso ao parlamento na segunda-feira, 30, Abiy pediu que os mais de 45 mil etíopes que fugiram para o Sudão retornassem.
Um trabalhador humanitário na área disse que os números que cruzam para o Sudão no principal ponto de trânsito de Hamdayet estão diminuindo. Refugiados disseram que milícias etíopes e soldados estavam tentando impedi-los, disse ele.
"As pessoas dizem que está cada vez mais difícil chegar à fronteira", disse ele, acrescentando que três refugiados também disseram que havia panfletos circulando com mensagens para não falar em Tigrayan
Não houve resposta imediata do governo a essas acusações, mas as autoridades federais negam veementemente a discriminação contra Tigrayans ou o assédio a civis.
Embora os tigré representem apenas 6% dos 115 milhões de habitantes da Etiópia, eles dominaram o governo nacional por quase três décadas até que Abiy assumiu o cargo em 2018.
Abiy, cujos pais são dos maiores grupos oromo e amárico, está removendo os tigré de cargos governamentais e militares, dizendo que eles compõem mais de 60% dos altos escalões e que outras etnias também devem ser representadas.
O primeiro-ministro havia se reunido ontem com os ex-presidentes africanos Joaquim Chissano (Moçambique), Ellen Johnson-Sirleaf (Libéria) e Kgalema Motlanthe (África do Sul), enviados pela União Africana para mediar nesta guerra. Contudo, desde o começo o vencedor do Nobel da Paz de 2019 avisou que não dialogaria com "partidos políticos que operam legalmente na região".
Na segunda-feira, o primeiro-ministro disse que líderes dissidentes de Tigré fugiram para o oeste da capital regional, mas indicou que as forças federais os monitoram de perto e vão atacá-los em breve.
"Não os atacamos à noite porque, quando foram embora, levaram com eles suas esposas, filhos e soldados sequestrados", acrescentou.
No ano passado, Abiy ganhou o Prêmio Nobel da Paz por encerrar um impasse de duas décadas na fronteira com a Eritreia. A TPLF lançou foguetes contra a capital da Eritreia, Asmara, durante o conflito. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)