Foi somente com 22 anos de idade que o piloto André Bragantini Jr. descobriu que sofria da síndrome Tourette, um distúrbio neuropsquiátrico do sistema nervoso que provoca movimentos involuntários e vocalizações indesejadas. Aos 43, ele diz ter "superado" o transtorno por meio do automobilismo, e chega neste 7 de junho – Dia nacional de conscientização da síndrome de Tourette – com um objetivo claro: levar informação ao maior número de pessoas. Fora das pistas, ele se dedica ao projeto Ultrapassando Limites, no qual aborda os ensinamentos acumulados ao longo de uma vida de adversidades, e prepara o lançamento de um livro.
A relação de Bragantini com as pistas surgiu quando ele ainda estava na barriga da mãe, segundo contou ao Estadão. Natural da capital paulista, ele cresceu acompanhando as corridas do tio Artur Bragantini (1946 – 2021), grande piloto das décadas de 1970 e 1980 e tricampeão da Fórmula Ford, com quem o pai trabalhava na escola de pilotagem, em Interlagos. "O automobilismo na minha família está no sangue. Tenho uma foto ainda bebê com meu pai dentro de um carro de corrida", conta. A figura paterna, inclusive, foi o principal incentivo que André teve para seguir carreira atrás do volante. Não apenas pela habilidade no cockpit, mas também para enfrentar os desafios da Tourette, ainda sem o diagnóstico correto.
Bragantini conta que começou a apresentar os "tiques" motores e vocais, motivados pela doença, quando tinha apenas cinco anos de idade, começando desde cedo a conviver com os constrangimentos que o distúrbio traz. Porém, se o comportamento do piloto era diferente dos demais durante a infância e adolescência, nas pistas ele conseguia se diferenciar pelo talento. Aos 10 anos ingressou no Kart, sagrando-se campeão em Campinas e ficando com o vice no Paulista. Apesar disso, ficou apenas dois anos na categoria, abandonando por falta de verba.
Para ele, o automobilismo, inserido pelo seu pai, teve um papel importante durante o seu desenvolvimento na convivência com a Tourette. "Meu pai viu desde cedo minha paixão pela corrida e como ela poderia me ajudar. Ele teve toda razão. O esporte foi fundamental na minha autoestima, na minha confiança e na minha disciplina, e, muitas vezes também, para poder ter uma vida pessoal correta e coerente, de uma certa forma, não só profissionalmente", conta Bragantini.
OBSTÁCULOS, "CHARLATÕES" E TÍTULOS
Sem encontrar respostas para o que acontecia com o filho, os pais de Bragantini tentaram de tudo. Foram inúmeras as visitas a neurologistas, psiquiatras e psicólogos, mas a falta de informação foi o principal obstáculo para que André pudesse receber o cuidado adequado. Segundo o piloto, sua família chegou a tentar tratamentos religiosos, mas acabou sendo enganada por "charlatões" que queriam se aproveitar da situação. A resposta finalmente veio em somente no fim da década de 1990, quando teve a Tourette diagnosticada e passou a fazer um tratamento ortomolecular para amenizar os sintomas. Ao receber a notícia com alívio, por saber que não corria nenhum risco de saúde maior, as atenções se voltaram de vez para a pista.
Naquela época, André Bragantini começava a escrever uma história bem sucedida no automobilismo nacional. Foi bicampeão da Copa Fiat na categoria Palio B (1997), além de conquistar o tricampeonato do mesmo torneio na Palio A (1999). Também ergueu o troféu da Copa Corsa Metrocar (2000) e da DTM Pickup (2001). A Tourette, ofuscada pela concentração no cockpit que levava o piloto às vitórias, dificilmente passava despercebida fora das pistas. O piloto revela que, infelizmente, presenciou situações desagradáveis, como em uma vez que viu dois homens caçoando de seus tiques enquanto estava no pódio.
"Quando estava começando, fui vender patrocínio para grandes empresas e ouvi que elas não tinham interesse em alinhar a imagem delas com a minha. Isso em uma época na qual eu já era competitivo e conseguia bons resultados", conta Bragantini. "Nas pistas, as pessoas valorizavam muito a minha luta e da minha família, por saber que a gente não tinha grana de berço, que a gente realmente tinha dificuldade de conseguir patrocínio. E viam a minha luta com a síndrome também. Sempre percebi muita admiração do pessoal (do automobilismo), sempre valorizaram a nossa história."
Em 2007, o piloto viveu um dos auges da carreira, conquistando o vice-campeonato da Stock Car Light. No ano seguinte, tomou uma importante decisão. Após a ex-mulher, com quem morava em Curitiba, encontrar um hospital em Goiânia que fazia uma cirurgia experimental para Tourette, Bragantini não teve dúvida de que iria tentar o procedimento para amenizar os sintomas. Foram cerca de dois meses entre os exames, a busca pela ajuda de amigos e patrocinadores para arcar com os custos, e a operação, na qual consistia no implante de um marcapasso cerebral no lóbulo frontal do cérebro, similar às intervenções realizadas em pessoas com Parkinson. De acordo com o piloto, o procedimento, que durou cerca de 15 horas, ajudou a "curar" 80% da síndrome.
A melhora foi sentida por Bragantini ao longo dos dois anos seguintes, mas antes de voltar a competir, o piloto conta que sofreu com sucessivos ataques de pânico, algo que nunca tinha experimentado na vida. A relação com a cirurgia não é descartada, mas tampouco é comprovada. No momento mais crítico da crise, quando o piloto diz ter chegado "no fundo do poço", tentou suicídio, tendo de ser socorrido rapidamente pela família para que o pior fosse evitado.
"Tive de ter muita resiliência, muito apoio e muito carinho da família, muita compreensão também para que eu realmente virasse a chavinha e encontrasse motivos para continuar lutando. Foi aí que o automobilismo novamente me ajudou", diz. A chegada do Troféu Linea ao Brasil, apadrinhado por Felipe Massa, levou Bragantini de volta às pistas em 2010. Naquele ano, foi vice-campeão do torneio, disputando o título com Cacá Bueno até o fim do campeonato.
ULTRAPASSANDO
Bragantini seguiu competindo regularmente na última década, até quando resolveu desenvolver o projeto Ultrapassando Limites, onde busca levar informação sobre a Tourette através de palestras, nas quais também conta os ensinamentos que a condição lhe trouxe. A ideia veio após receber inúmeras mensagens de apoio, de pessoas que se identificavam com a sua luta, depois de aparecer em alguns programas para contar a sua história de vida.
"Comecei a me sensibilizar com aquelas mensagens e pensei que poderia fazer um projeto onde pudesse levar informação e ajudar mais pessoas. Minha intenção é falar abertamente para as pessoas porque acho que todo mundo tem seus problemas, todo mundo tem suas dificuldades, e eu sou um ser humano normal", explica.
Bragantini, que atualmente trabalha como coach do piloto Elias Azevedo, na Mercedes-Benz Challenge, e chefe de equipes, na GT Sprint Race, também prepara o lançamento de uma biografia para julho deste ano. A obra será publicada pela Editora 259, e tem o jornalista Alexander Grünwald como autor. Ainda este ano, ele também prepara uma participação na etapa de Endurance da Argentina da TCR, e trabalha para voltar a competir regularmente na categoria no próximo ano.