Letícia Marinho Sales nasceu e cresceu na Vila Cruzeiro, no conflagrado Complexo do Alemão, na zona norte do Rio. Há alguns anos, mudou-se para o Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste, mas voltou à favela na quarta-feira, 20, para rever as filhas e ajudar uma amiga. Na manhã seguinte, morreu aos 50 anos ao ser alvejada dentro do carro em que estava, logo nas primeiras horas de uma operação conjunta das polícias Civil e Militar.
Além dela, outras 17 pessoas foram mortas naquela operação. Parentes afirmam que o disparo que matou Letícia partiu de policiais militares. O pai de Letícia, já morto, era policial militar reformado.
Na manhã desta sexta, 22, a desolação dominava as filhas de Letícia, que foram ao Instituto Médico Legal (IML) do Rio para liberar o corpo.
"Este momento, para mim, é só de dor, revolta e injustiça com o que fizeram com a minha mãe. Uma mulher de 50 anos, que temia tanto pela Justiça, ser covardemente alvejada, sem transmitir ou passar nenhum tipo de perigo para aqueles policiais naquele momento", disse Jenifer Sales, de 33 anos.
"É uma dor que eu não desejo pra ninguém. Hoje foi tirado um pedaço de mim. Tudo o que eu tinha na minha vida era a minha mãe, era tudo. Eu perdi minha avó há 12 dias e falei agora eu só tenho minha mãe e meu pai . E agora, infelizmente, eles tiraram minha mãe de mim."
Outra filha, Jéssica, de 32, culpou policiais militares pela morte. "Minha mãe veio para a comunidade da Vila Cruzeiro para ajudar a pastora na quarta-feira. Dormiu lá, estava seguindo para casa, e um policial totalmente despreparado atirou na minha mãe. É isso que o governador (Cláudio Castro) tem pra gente? Entrar e matar? Toda vez ele só vai mandar matar? A polícia do Rio de Janeiro está aprendendo o quê? A matar um trabalhador?", indagou.
Na quinta-feira, enquanto ocorria a operação no Complexo do Alemão, Cláudio Castro postou em seu perfil no Twitter que as forças de segurança do Rio "foram covardemente atacadas hoje cedo durante uma grande operação no Complexo do Alemão para prender criminosos". Afirmou ainda que pediria a transferência dos criminosos para presídios federais.
Na ocasião, o governador se solidarizou com os familiares de um PM morto na operação, mas não fez nenhuma menção aos demais mortos.
Nesta sexta, a filha de Letícia cobrou uma posição de Castro. "A única coisa que eu cobro do governador Cláudio Castro é justiça neste momento, porque nada vai trazer minha mãe de volta. Nada do que ele ou o Estado fizerem vai trazer minha mãe", declarou Jenifer.
"O Estado foi extremamente negligente. Foi negligente com o meu avô, um policial militar reformado que morreu no hospital da PM. Foi negligente com minha avó, que morreu há 12 dias no hospital da PM. E, agora, foi covarde com a minha mãe! Foi covardia o que fizeram com ela!"
Em nota ao <b>Estadão</b>, a Polícia Militar informou que a investigação sobre a morte de Letícia está a cargo da Polícia Civil. "A Polícia Militar acompanha e colabora integralmente com todos os procedimentos", declarou a corporação.
Na tarde desta sexta, o governador Cláudio Castro emitiu nota em que diz lamentar a morte de Letícia.
"As circunstâncias estão sendo investigadas pela Polícia Civil. O Estado, por meio da Secretaria de Assistência à Vítima, está apoiando a família de Letícia no que for necessário", diz o texto. "A secretaria agilizou a remoção do corpo da UPA do Alemão para o IML. Uma equipe da Seavit foi destacada para continuar o apoio, inclusive auxiliando no sepultamento, que será amanhã no cemitério do Caju."
<b>Operação foi a quarta mais letal da história do Rio </b>
Com 18 mortes confirmadas, a operação de quinta-feira se tornou a quarta mais letal da história do Rio de Janeiro – e três delas foram já sob a gestão de Cláudio Castro (PL).
Eleito vice-governador na chapa que era encabeçada por Wilson Witzel (PSC), Castro assumiu o governo após Witzel ser cassado. Controverso, Witzel se elegera prometendo linha-dura contra o crime.
Witzel afirmou em entrevista ao Estadão que "a polícia vai mirar na cabecinha" e comemorou com braços erguidos a morte de um homem por um atirador de elite após o sequestro de um ônibus na ponte Rio-Niterói. Depois, constatou-se que era um jovem com problemas emocionais, sem antecedentes criminais, armado com uma pistola de brinquedo.