Estadão

Democracia está em risco e carta é mudança de rumo, afirma Celso Campilongo

Em fevereiro, Celso Campilongo assumiu a diretoria da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) com um discurso de que a centenária escola estaria "forte e preparada" para defender a democracia do País. Ele não pensava, no entanto, que em julho estaria numa mobilização de mais de 300 mil pessoas preparada dentro do Largo de São Francisco – o qual, inicialmente, Campilongo imaginou que angariaria cem ou 200 apoiadores. "Eu preferiria mil vezes não estar nesta situação. Acho que a democracia brasileira está em risco, sim", disse o diretor ao <b>Estadão</b>.

<b>O manifesto saltou de 3 mil para 100 mil assinaturas em menos de 24 horas (até a conclusão desta edição eram mais de 300 mil). O senhor imaginava essa repercussão?</b>

Nosso sistema de adesões está congestionado. Quando subimos o documento, às 17h de segunda-feira (25), tínhamos 3,1 mil assinaturas. Na terça-feira (26), às 8h da manhã, 30 mil. No final da manhã, 60 mil. É acima de qualquer expectativa mais otimista que eu pudesse ter.

<b>Por que invocar a carta de 1977? No que os dois momentos se assemelham?</b>

Temos semelhanças e diferenças. Vou começar pelas diferenças. Em 1977, tínhamos muito medo da ditadura, de participar de atos públicos. A UNE era proibida. A peruada (festa tradicional da Faculdade de Direito) ficou proibida. As pessoas ficavam com medo de, num ato público, serem filmadas ou fotografadas e que essas imagens fossem cedidas ao Dops. Hoje, é impossível fazer ato público que não seja filmado, fotografado por todos simultaneamente. Organizar um ato era algo que custava meses de preparação. Hoje, eu coloco o manifesto online e tenho, de um dia para o outro, 100 mil assinaturas.

<b>E as semelhanças?</b>

Vejo que 1977 representou uma mudança de rumo na luta pela reconquista da democracia. Foi um momento de inflexão. As primeiras manifestações do empresariado paulista neste período contra a ditadura militar começaram a ganhar impulso a partir daí. A carta atual está num contexto muito diferente, mas também tem significado de um momento de inflexão. A manifestação mais chamativa dessa mudança de rumo são as adesões do meio empresarial, da Fiesp, de bancos e empresários. Nisso, é muito parecido com 1977.

<b>Outros manifestos em defesa da democracia já surgiram durante o governo Bolsonaro e isso não diminuiu os ataques contra o sistema eleitoral, pelo contrário. Acredita que agora esses ataques podem cessar?</b>

Infelizmente não cessarão, mas esse pessoal que fica falando mal da Justiça Eleitoral vai pensar duas vezes em continuar com esse discurso, que é inclusive politicamente questionável, porque perde voto, é um discurso desacreditado. Coisas como ouvimos de que os bancos assinaram a carta porque estão perdendo dinheiro com o Pix beiram o ridículo.

<b>Bolsonaro disse não se amedrontar por uma "cartinha". Como o sr. responde?</b>

De "gripezinha" à "cartinha", querem diminuir o Brasil à condição de "paisinho". Há dois dias ouvimos críticas inconsistentes à carta e vemos o número de adesões crescer de forma explosiva. Apenas ontem, o site da Faculdade de Direito da USP recebeu seis milhões de visitas. O Brasil não aceita diminuição de sua democracia e de suas eleições.

<b>Como se sente em fazer ato em defesa da democracia, depois de ter acompanhado a redemocratização?</b>

Eu preferiria mil vezes não estar nesta situação, mas acho que a democracia brasileira está em risco. Temos manifestações no Executivo que deixam claro porque as pessoas estão preocupadas. São falas como "não vou cumprir decisão judicial", "esta é a última vez", "não estique mais a corda". São aberrações, inadmissíveis. Mas partem também de grupos organizados na sociedade civil que funcionam como milícias digitais. Tudo isso solapa a democracia, desvirtua a formação da opinião pública.

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