O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de 77 anos, foi eleito neste domingo, 30, presidente da República do Brasil pela terceira vez. Lula derrotou nas urnas, pela margem mais apertada de votos de uma disputa presidencial desde a redemocratização, o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). O petista obteve 59,5 milhões de votos (50,83% do total), ante 57,6 milhões de votos recebidos pelo candidato à reeleição (49,17% do total) com 98,56% das urnas apuradas. A chapa eleita – que tem como vice o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSB), de 69 anos – vai assumir em 1º de janeiro de 2023.
O triunfo de Lula se deu em um cenário de forte divisão política da sociedade e representou uma significativa recuperação pessoal. O petista passou um ano e sete meses preso após ser condenado na Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do triplex do Guarujá (SP). O líder máximo do PT deixou a cela especial da Polícia Federal em Curitiba em novembro de 2019. Em abril do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou as condenações impostas a ele pela operação, permitindo que Lula disputasse as eleições deste ano. Em menos de quatro anos – próximo do período em que Bolsonaro exerceu o cargo de presidente -, o petista, que teve a prisão decretada pelo então juiz e atual senador eleito Sérgio Moro (em abril de 2018), passou da ruína ao auge político.
Nos próximos 60 dias, o Brasil terá o desafio de fazer uma transição sem traumas, com foco único e absoluto no interesse nacional. A travessia governamental está regulamentada pela Lei 10.609 de 2002 e permite que o novo presidente convoque uma equipe de até 50 pessoas para a ocupação de cargos especiais durante esse período.
A Lula caberá a significativa tarefa de conduzir o País a um processo de pacificação e retomada do desenvolvimento social e econômico. O Brasil que será herdado pelo ex-presidente tem características muito distintas do que ele assumiu há 20 anos, após vencer a disputa de 2002.
O PT volta ao poder central também sob a exigência de fazer um governo mais amplo e negociar com um Legislativo ideologicamente mais hostil. Os partidos de direita, com predomínio das legendas do Centrão, conquistaram a maioria das cadeiras da Câmara e do Senado em disputa. Somente o PL, partido de Bolsonaro, elegeu a maior bancada do Congresso. A sigla terá 99 deputados na Câmara a partir de 2023. A federação formada por PT, PCdoB e PV ficou com 80 deputados. O núcleo duro do Centrão, formado por PL, PP, Republicanos e União Brasil, elegeu 246 deputados, o que representa 48% da Câmara. No Senado, a eleição também foi marcada pela vitória de aliados de Bolsonaro e políticos associados ao presidente. Os partidos de direita emplacaram 19 nomes.
É diante desse Congresso mais à direita e com uma parcela mais radicalizada que Lula terá de governar. A campanha petista não foi capaz, porém, de iluminar as pretensões de uma nova gestão da legenda. Um plano detalhado de propostas ficou na promessa. Apenas faltando três dias para a votação em segundo turno, a campanha do ex-presidente divulgou uma carta aberta na qual promete combinar "política fiscal responsável" com "responsabilidade social e desenvolvimento sustentável". Um documento considerado genérico e superficial pelos agentes econômicos.
Economistas liberais e "pais" do Plano Real se somaram ao esforço pró-Lula no segundo turno: Pedro Malan, Edmar Bacha, Arminio Fraga e Pérsio Arida declararam voto no petista, assim como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e até o ex-candidato à Presidência pelo Novo João Amoêdo. A frente pró-Lula na etapa final da campanha, porém, não se formou em apoio à plataforma pouco detalhada do petista ou à sua popular figura. Muitos de seus apoiadores notáveis declararam voto crítico em uma união para derrotar Bolsonaro.
Em busca da vitória, Lula fez acenos ao centro e abriu o leque de apoiadores – que ele mesmo classificou como uma grande "arca de noé". Lula poderá abrigar no novo governo ao menos os dez partidos de sua coligação, além de compor com aliados cruciais do segundo turno, alas de siglas que ficaram dividas – como PSDB e MDB – e setores da sociedade que se engajaram para derrotar o atual presidente.
O petista reacendeu ao longo da campanha a suspeita de que, se eleito, investiria em um processo de regulação da mídia. Em diversas oportunidades, Lula fez menções sobre a necessidade de um novo marco regulatório contra o que chamou de "espoliação de meia dúzia de famílias que mandam na comunicação brasileira", à garantia do "melhor direito de resposta". O petista falou ainda em "convocar plenárias, congressos, palestras" para a sociedade dizer "como tem que ser feito", afirmando que essa missão caberá ao Congresso Nacional.
Em seu retorno à arena eleitoral, o líder petista se mostrou um político com núcleo duro mais restrito do que nas campanhas passadas. Ele rejeita a tese de que é "um novo Lula" em 2022. Já disse em pronunciamento recente que "o filho da Dona Lindu" é o mesmo. A condução de sua campanha, no entanto, evidenciou um Lula mais centralizador e desconfiado.
Decisões triviais passavam pela mesa do petista, que continua confiando no seu tino político a ponto de, muitas vezes, ter dispensado as sugestões de seus conselheiros. Foi assim no primeiro debate presidencial, ainda no primeiro turno, quando Lula minimizou os recados para fazer uma preparação séria – e teve um desempenho considerado frustrante. Apoiadora de Lula após o primeiro turno, a senadora Simone Tebet (MDB) tornou-se a rara voz crítica na campanha petista, ao lado do amigo de longa data do presidente eleito, Paulo Okamoto.
Lula mantém ao seu lado aqueles que foram mais fiéis no período que passou na carceragem de Curitiba. Estão nesta lista, por exemplo, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, os petistas Fernando Haddad (derrotado na disputa pelo governo de São Paulo), Rui Falcão e Aloizio Mercadante. O círculo íntimo do presidente eleito passa agora também pelos nomes que mantêm boa relação com a esposa de Lula, Rosângela da Silva – a Janja -, como o advogado Marco Aurélio Carvalho e o deputado estadual eleito Emídio de Souza. Janja teve protagonismo na campanha e é uma das principais conselheiras de Lula.
Apesar da autoconfiança que nutre sobre sua popularidade, Lula foi sendo convencido pouco a pouco da viabilidade da sua candidatura, no início de 2021. Depois do período na prisão, o petista receava as consequências de voltar à vida pública. A aliança com Alckmin, que começou a ser construída nos primeiros meses de 2021, foi elemento central neste processo. Por isso, pelo engajamento na campanha e pela experiência, o ex-tucano tende a assumir uma vice com poderes turbinados.
Lula se diz imbuído do espírito de fazer mais pelo País e avançar em pautas defendidas por setores progressistas. Para emplacá-las, terá de negociar com algumas das suas atuais alianças e o Congresso. A relação com o Legislativo também estará nos holofotes. O petista tem prometido acabar com o orçamento secreto, que tornou-se um importante suporte de sustentação de Bolsonaro no Planalto, mas há pouca clareza sobre como o petista conseguirá manter a governabilidade sem recair em relação promíscua entre os poderes – o que resultou no esquema do mensalão durante seu primeiro mandato.
Na lista de desafios de Lula, o maior talvez seja governar com uma sociedade dividida, onde 46% dos brasileiros rejeitam sua imagem. Vitorioso, Lula conseguiu nas urnas uma "reabilitação política" para si e para a esquerda. Do resultado do seu governo dependem o fecho positivo que busca para sua biografia e a convergência do centro e da esquerda na relação institucional no poder.