A Rússia confirmou nesta quarta-feira, 2, que retomou o acordo mediado pela ONU para permitir embarques de grãos de portos ucranianos através do Mar Negro, aliviando as incertezas sobre um pacto que ofereceu esperança a países que enfrentam grave escassez de alimentos.
Moscou suspendeu sua participação no acordo após um ataque de drones que danificou pelo menos um dos navios de guerra do Kremlin perto da cidade de Sebastopol, na Crimeia. O acordo fechado em julho buscava aliviar a crise alimentar global que começou após a invasão da Rússia na Ucrânia. Moscou alegou, sem provas, que o ataque mostrou que as águas usadas para transportar grãos não eram seguras.
O Ministério da Defesa da Rússia disse que recebeu uma garantia do governo ucraniano de que não usaria os carregamentos civis para "operações militares contra a Federação Russa", segundo a agência de notícias estatal russa Tass.
O acordo, conhecido como Iniciativa de Grãos do Mar Negro, encerrou um bloqueio russo de cinco meses aos portos da Ucrânia e deveria expirar no final de novembro. Nas últimas semanas, a Rússia sugeriu que poderia se recusar a estender este prazo se as exigências de Moscou sobre suas exportações de alimentos e fertilizantes não fossem atendidas.
Embora o principal objetivo do acordo de grãos fosse acabar com o bloqueio da Rússia às exportações ucranianas, que vinha contribuindo para uma crise global de alimentos, também permitiu mais embarques de grãos e fertilizantes russos. Como parte do acordo, os Estados Unidos e a União Europeia deram garantias de que bancos e empresas envolvidas no comércio de grãos e fertilizantes russos estariam isentos de sanções.
O status do acordo – intermediado pela Turquia e pelas Nações Unidas – era incerto havia dias, embora alguns embarques previamente autorizados tenham continuado até terça-feira.
Amir Abdulla, um funcionário da ONU que coordena os embarques, disse em sua conta no Twitter que espera que os navios comecem a partir novamente na quinta-feira, sem dar mais detalhes.
O presidente Vladimir Putin, da Rússia, deixou a porta aberta para a retomada do acordo, dizendo a repórteres nesta semana: "Não estamos encerrando nossa participação nesta operação".
Analistas disseram que a Rússia também levantou objeções sobre sua incapacidade de exportar grandes quantidades de seus próprios produtos agrícolas, como o acordo permite, porque os compradores temiam violar as sanções ocidentais que restringem o comércio com Moscou.
Na terça-feira, 1º, a agência Tass informou que Putin havia dito ao presidente turco em um telefonema que queria uma "investigação detalhada" do ataque à frota russa e "garantias reais" de que Kyev não usaria os corredores de grãos do Mar Negro para fins militares. "Só depois disso seria possível considerar a retomada da iniciativa do Mar Negro ", disse Putin em um comunicado à imprensa.
Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, disse na terça-feira que a suspensão do acordo pela Rússia "teve um impacto imediato nos preços globais dos alimentos" e que os navios nos portos do Mar Negro estavam "carregados" e "prontos para partir", incluindo um com trigo destinado à resposta de emergência aos países no Chifre da África, onde a fome está aumentando.
"Qualquer decisão do Kremlin de interromper essa iniciativa é essencialmente uma declaração de que Moscou não se importa", disse Price. "Moscou não se importa se o mundo passar fome. Moscou não se importa se as pessoas passam fome. Moscou não se importa se a crise de insegurança alimentar mundial for agravada".
O presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, que intermediou o acordo junto com as Nações Unidas, expressou confiança depois de falar com Putin na terça-feira que as diferenças sobre o acordo de grãos podem ser resolvidas.
Três navios de carga transportando milho, trigo e óleo de girassol deixaram os portos ucranianos na terça-feira e estavam viajando para o sul em direção a Istambul, segundo Ismini Palla, porta-voz da ONU. Ela disse que as autoridades russas foram notificadas das partidas.
<b>Ataque na Crimeia</b>
Sem apresentar provas, o Ministério da Defesa da Rússia acusou a Ucrânia e o Reino Unido de lançarem o ataque com drones contra a Frota do Mar Negro na Crimeia, a península ocupada pela Rússia que tem sido um palco chave para a invasão da Ucrânia.
O ministério culpou "o regime de Kiev", dizendo em comunicado que os navios da Frota do Mar Negro da Rússia eram o alvo e que danos menores foram sofridos por pelo menos um navio russo. A pasta acrescentou que 16 drones estavam envolvidos e que "todos os alvos aéreos" foram destruídos.
Não houve comentários imediatos de autoridades ucranianas, que mantêm uma política de ambiguidade oficial sobre ataques muito atrás das linhas de frente.
Moscou também acusou o Reino Unido de treinar e orientar a unidade ucraniana por trás do ataque de drones e de estar por trás das explosões que atingiram os gasodutos Nord Stream que transportavam gás russo para a Europa em setembro. Londres respondeu que a Rússia estava fazendo "alegações falsas de escala épica"
A agência de notícias estatal russa Tass informou que uma forte explosão foi ouvida nas primeiras horas do amanhecer sobre a baía de Sebastopol, a maior cidade da Crimeia e onde fica a frota do Mar Negro. O governador da região indicado pela Rússia, Mikhail Razvozhaev, disse em um post do Telegram que os navios "repeliram" o ataque e pediu aos moradores que não compartilhem fotos da área nas mídias sociais.
A Crimeia, que está sob controle do Kremlin desde que Moscou anexou ilegalmente a península em 2014, tem uma importância simbólica para Putin. Uma explosão no início deste mês na ponte que liga a península à Rússia levou Putin a retaliar com ataques em massa na Ucrânia que mataram dezenas de pessoas e atingiram infraestruturas críticas.
Embora os militares da Ucrânia não tenham reivindicado publicamente a responsabilidade pela explosão da ponte, o incidente lembra outros ataques realizados pelas forças de Kiev contra alvos altamente simbólicos e mostraram sua capacidade militar diante de um exército russo mais forte e fortemente mais armado.
Em abril, dois mísseis de cruzeiro Neptune, fabricados na Ucrânia, atingiram o casco do Moskva, o orgulho da frota russa do Mar Negro. O ataque desencadeou uma série de explosões que eventualmente fizeram com que o cruzador afundasse, matando um número desconhecido de marinheiros.
Embora o ataque ao Moskva tenha chocado o estabelecimento militar da Rússia, foi uma série de ataques a alvos militares na península do Mar Negro nos últimos meses que interrompeu a sensação de segurança e distância da guerra da Crimeia.
Em um ataque particularmente ousado, explosões destruíram pelo menos oito aviões de guerra russos em um aeródromo na Crimeia. Mais tarde, em agosto, um drone atingiu o prédio da sede da Frota do Mar Negro em Sebastopol. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)