Terceira filha de Karl Marx, Eleanora foi uma mulher independente, feminista e batalhadora da causa socialista, porém sucumbia uma banal história de amor u ante um caso de amor infeliz. Quer coisa mais prosaica para uma revolucionária? Pois bem, essa é a história contada em Miss Marx, da italiana Susana Nicchiarelli, que faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema.
E contada de maneira bastante original. Passa pelo olhar feminino da diretora, evitando que tudo se resuma infeliz (o que também é, mas não apenas). Não por acaso, a narrativa principia pelo enterro de Karl, morto em 1883. Na ocasião, Eleanora (Romola Garai) tem 28 anos e já está encaminhada nas lutas sociais inspiradas pelo pai. Tem trajetória própria. Pensa, escreve e batalha em campos de desigualdade social específicos, como a opressão sobre as mulheres e a exploração do trabalho infantil, tido como "natural" no tempo da revolução industrial.
Muita coisa muda em sua vida quando conhece o dramaturgo inglês Edward Aveling (Patrick Kennedy) e surge uma paixão fulminante. Vivem juntos e desenvolvem tal intimidade que assinam em dupla escritos políticos que eram só dela. Não se casam, pois Aveling já assinara o tal contrato matrimonial com outra mulher. Da qual não se separa.
Não é só isso. Ele é um bon vivant irrecuperável e vive como um burguês às custas de Eleanor, que tenta administrar o dinheiro deixado por Engels para os filhos de Marx.
O cerne dessa história encontra-se na contradição entre vida pública e privada. Notem que não se trata da diferença entre uma e outra, mas de contradição para valer. A esfera privada nega a pública. Eleanora, que é uma mulher brilhante, com ideias na cabeça e missão social a cumprir, comporta-se como uma adolescente frágil diante de um aproveitador como Aveling.
Marx (Philip Gröning) faz duas aparições, em flashbacks. Numa delas participa de um jogo familiar em que cada um deve dizer sua frase favorita. Escolhe a de Terêncio: "Nada do que é humano me é estranho". Como se antevesse o enigmático destino de sua filha. O espírito do filme é esse: não julgar, mas tentar compreender até mesmo o absurdo, atitude rara em nossos dias.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>