Em seu segundo dia no cargo de presidente do Peru, após o golpe de Estado frustrado de Pedro Castillo, Dina Boluarte encarou o desafio de começar a formar um gabinete que mostre um governo diferente. Embora fosse a vice-presidente na chapa de Castillo, Boluarte recebeu bandeira branca do Congresso para governar com relativa tranquilidade por enquanto. Analistas alertam que a duração desta paz dependerá dos nomes que ela indicar.
O futuro do novo governo dependerá, principalmente, da relação com o Congresso, que foi o principal motivo para a infinita crise política enfrentada por Castillo em seus 17 meses de presidência. Em setembro, Boluarte reiterou sua promessa de que, caso seu líder de chapa caísse, ela convocaria novas eleições gerais. Não cumpriu a promessa, mas a rápida resposta condenando o movimento golpista de Castillo rendeu-lhe uma reação positiva de setores políticos e econômicos do Peru.
"Dina Boluarte toma posse com um cenário complicado, sem uma bancada ou partido no Congresso", aponta a cientista política pela Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP) Milagros Campos Ramos ao <b>Estadão</b>. "Seu primeiro desafio é construir um gabinete de diálogo, de unidade nacional e ampla base e encontrar uma agenda de consenso com reformas constitucionais específicas, avaliando a possibilidade de eleições antecipadas."
"O primeiro desafio será governar, coisa que Pedro Castillo quase não fez, pois foi um presidente de sobrevivência", concorda Fernando Tuesta, analista político e professor da PUCP. "Ela tem esse primeiro desafio e não é pouca coisa, pois três anos e meio no Peru é um longo prazo em um país cheio de fraturas, raiva e alta polarização", completa, referindo-se às programadas próximas eleições.
<b>Expulsão</b>
A advogada de carreira conseguiu descolar rapidamente sua imagem da de Castillo, mesmo tendo sido ministra de Desenvolvimento e Inclusão Social e sua vice na chapa do partido de esquerda Perú Libre, do qual foi expulsa em janeiro por "traição por nunca ter abraçado a ideologia do partido", segundo o líder Vladimir Cerrón.
Aos poucos, conforme Castillo dava sinais de que poderia utilizar a cartada da dissolução do Congresso para impedir a votação de um terceiro pedido de impeachment, Boluarte tentou mediar a situação, disseram jornais peruanos citando fontes de dentro do gabinete de Castillo. Sem obter sucesso, ela continuou se distanciando do presidente até não fazer mais parte de seu grupo de confiança, segundo o La Republica.
Esse afastamento evitou que ela caísse com Castillo na quarta-feira, quando o Congresso adiantou a votação que aprovou o impeachment do presidente. Seu primeiro discurso, já na quarta, deu os primeiros sinais da trégua com o Parlamento, quando falou em "unidade nacional" e pediu que deixassem de lado as ideologias. Como resposta, ela recebeu o apoio da oposição liderada por Keiko Fujimori, assim como de Cerrón, seu ex-líder de partido.
<b>Bandeira branca</b>
Segundo analistas, o motivo para esta bandeira branca inicial é claro: todos querem evitar uma nova eleição geral. Boluarte indicou ontem à tarde que cumprirá este desejo, quando prometeu seguir as regras constitucionais e disse que eleições antecipadas são inviáveis no momento.
"Dina Boluarte deu uma mensagem de consenso, mas uma coisa é a teoria e outra coisa é a prática. Vamos ter uma trégua democrática até que o Congresso mostre novamente seu obstrucionismo", afirmou a cientista política Alexandra Ames ao La República. "Ela tem de convocar um gabinete técnico, mas que inclua as aspirações de todas as partes."
<b>Experiência</b>
"O fundamental será convocar um gabinete de pessoas com experiência política e com carreiras profissionais importantes, algo que o governo Castillo não fez", pontua Fernando Tuesta ao <b>Estadão</b>.
A formação de seu gabinete é justamente o maior ponto de atenção esta semana, não só para o Congresso, mas também para o setor empresarial do país, especialmente o de seu primeiro-ministro. Até o fim da tarde de ontem, ela não havia apontado nomes e estava em constantes reuniões.
"Se ela nomear um primeiro-ministro reconhecido e habilitado, será um primeiro grande passo para restaurar a confiança. Depois disso, resta saber que políticas ela vai adotar", afirmou o ex-ministro da Economia e diretor do Banco Central peruano, Carlos Oliva ao jornal El Comercio.
Boluarte chega ao poder sob algumas investigações. Ela foi denunciada por lavagem de dinheiro e abuso de autoridade, o que a impediria de assumir um cargo a presidente, mas o Congresso optou por exonerá-la de responsabilidade dias atrás, possivelmente pensando na possibilidade de afastar Castillo.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>