Após o susto da véspera, quando o Ibovespa rompeu o suporte psicológico dos 100 mil pontos, o índice abriu em alta, tentando recuperar as perdas da véspera. Ainda que os rumores de saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, não tenham se tornado realidade, fica no radar alguma cautela sobre sua permanência, sobre como ficará a nova proposta do Renda Brasil.
A fragilidade vista ontem nos mercados reforça, conforme William Teixeira, especialista em ações e head da Messem Investimentos, que o cenário das contas públicas realmente está se agravando. Porém, pondera que o sai e fica de Guedes no governo, embora tenha se intensificado,sobretudo ontem, não é novidade.
Segundo ele, o importante é o governo lançar um programa focado na responsabilidade fiscal. "Esse impasse já tinha postergado o lançamento do programa, que agora terá de ser redesenhado. Não dá para fazer um programa prevendo gastos que não temos de onde tirar", descreve.
A alta do Ibovespa ainda reflete a valorização das bolsas em Nova York, após o PIB menor pior que o esperado nos EUA e as palavras do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Jerome Powell, em discurso no evento de Jackson Holle. Disse que a autoridade monetária está preparada para usar toda a gama de ferramentas de apoio à maior economia do planeta, o que estimula o apetite a risco nos mercados. No entanto, afirmou que, com inflação baixa, há menos espaço para cortar juros.
No Brasil, após o início das falas de Powell, o Ibovespa retomou os 101 mil pontos, enquanto o dólar caiu para a faixa de R$ 5,57, puxando ainda para baixo as principais taxas de juros longas.
Powell confirmou nesta quinta que o Fed realiza uma revisão em sua política monetária. Segundo ele, se a inflação fica abaixo disso durante momentos de quadro econômico mais fraco, mas nunca acima quando a economia está forte, "então, ao longo do tempo, a inflação em média ficará abaixo de 2%".
Diante disso, o Fed realizou a mudança anunciada nesta quinta-feira. Powell disse que a inflação além da meta não será algo permanente, mas que "estamos falando de aumentos moderados da inflação (além da meta)."
"Deixou claro que o país ainda tem muito para se crescer e se ajustar, que os juros continuam não sendo uma política adequada no momento e que aguarda um crescimento inflacionário junto com o crescimento econômico, mas no longo prazo. É uma leitura realista", avalia o estrategista-chefe do Grupo Laatus, Jefferson Laatus.
Já o PIB dos EUA caiu à taxa anualizada de 31,7% no segundo trimestre, ficando com recuo menos intenso que o esperado, de 32,4%.
Apesar da alta do Ibovespa, ainda deve ecoar o estresse da véspera na Bolsa, nos juros e no dólar provocado pela decisão do presidente Jair Bolsonaro de suspender o Renda Brasil. O motivo da desistência é a discordância entre ele e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em relação à extinção do abono salarial no programa. A decisão reforçou a visão de que o ministro estaria sendo preterido, correndo risco de permanência no governo.
A leitura dos investidores foi de uma possível "fissura entre Guedes, a equipe econômica e Bolsonaro, destaca em análise o economista-chefe do ModalMais, Álvaro Bandeira. Na véspera, o índice à vista chegou a romper os 100 mil pontos (99.359,36 pontos, mínima), mas fechou aos 100.627,33 pontos, em queda de 1,46%, enquanto o dólar à vista subiu 1,59%, cotado a R$ 5,6150, com a curva de juros também acentuando a inclinação.