Charles Cross é um biógrafo raro, daqueles que fazem descobertas jornalísticas durante as apurações, analisa as pistas e não se contenta com os dogmas da oralidade. Sua biografia mais recente, <i>Jimi Hendrix – Uma Sala Cheia de Espelhos</i>, comprova tudo isso. Depois de escrever obras como<i> Mais Pesado Que o Céu: Uma Biografia de Kurt Cobain</i>; <i>Led Zeppelin: Heaven and Hell</i>; <i>Backstreets: Springsteen, the Man and his Music</i>; e <i>Here We Are Now: The Lasting Impact of Kurt Cobain</i>, esse ex-editor da revista <i>The Rocket</i> que vive próximo a Seattle volta à história de Hendrix no ano em que o guitarrista faria oito décadas de vida.
Uma pesquisa longa movida pela inquietude o levou a descobrir onde estava o túmulo da mãe de Hendrix, Lucille. "Foi o momento mais impressionante dos quatro anos que levei para escrever", ele diz, logo na abertura. Inconformado com a administração do cemitério Greenwood Memorial Park, que não sabia informar onde estava a sepultura de Lucile, Cross insistiu tanto que foi autorizado a vasculhar a terra de um local aproximado com uma pá, ao lado de um coveiro. "Todos os biógrafos que escolhem personagens mortos são, de certa forma, coveiros, com uma pitada de Dr. Frankenstein", diz.
Outros pontos, como passagens a respeito da tão falada saída de Hendrix do serviço militar, da apresentação no icônico Woodstock, de 1969, e de suas relações afetivas, ganharam investigações atentas.
Há um bom tempo dedicado à infância e adolescência de Hendrix em Seattle, mas isso não torna sua narrativa enfadonha. Aos 14 anos, dois acontecimentos definem a vida do guitarrista. Hendrix assiste a um show de Elvis Presley e vê o pastor Little Richards fazer uma pregação. Sem dinheiro para ver Elvis, o menino assiste ao show do alto de uma colina. O ingresso custava 1,50 dólar. Isso foi em 1957, um ano antes de se dar a história com Richards.
<b>COM LITTLE RICHARDS</b>
Numa época em que o pianista havia renunciado ao rock and roll para devotar-se ao evangelismo, Hendrix o viu saindo de uma limusine para fazer uma pregação em uma igreja local. Hendrix vestiu a melhor roupa que tinha, mas sentiu os olhares de reprovação aos seus sapatos velhos. Ele diria, mais tarde, que havia sito "chutado" da igreja, algo que a biografia de Cross diz nunca ter ocorrido. Depois do show, esperou até o fim para tocar em Little Richards, como se estivesse tocando em um santo.
Já que fomos até aqui, vale um pouco mais: anos mais tarde Hendrix não só tocaria na banda de apoio de Richards como teria sérios problemas com o velho ídolo. Ao perceber que sua luz poderia ser ofuscada pelo garoto de Seattle, Richards o proibiu de tocar o instrumento com os dentes, colocá-lo atrás da cabeça e, de preferência, não fazer sexo com a guitarra. Hendrix era multado por isso mas seguia na banda, até o dia em que a situação ficou insustentável.
Robert Penniman, irmão de Richards, era o empresário da turnê. Ao contrário da versão de Hendrix, que dizia ter pedido as contas, ele afirma que demitiu o guitarrista por falta de responsabilidade. "Ele estava sempre atrasado para pegar o ônibus e vivia flertando com as garotas."
<b>ELETRIC LADYES </b>
Aos fãs, são saborosas histórias também sobre os bastidores da feitura de <i>Eletric Ladyland</i>, o álbum duplo, seu último, lançado em 1968 com coisas como <i>Crosstown Traffic</i>, <i>Voodoo Chile</i>, uma versão demolidora de <i>All Along The Watchtower</i>, de Bob Dylan, e Little Miss Strange.
Hendrix queria que a capa fosse ilustrada por fotos feitas pela profissional Linda Eastman, que pouco depois se casaria com Paul McCartney, e escreveu um longo texto para encarte. Mas nada disso foi aproveitado pela gravadora.
Há mais detalhes também sobre a capa proibida deste disco, com uma foto mostrando 21 mulheres nuas. Uma versão diz que tal imagem seria por causa do termo "eletric ladys", usado por Hendrix para definir as groupies, as fãs que seguiam a banda. A capa, que não agradou nem a Hendrix nem às mulheres fotografadas, acabou sendo vetada.
Sobre a morte de Hendrix, algum mistério continua. Com todo o poder de apuração, Cross não destrincha outras possíveis causas, porque talvez não tenha muito mais a ser destrinchado, mas elucida equívocos. Algumas fake news são historicamente conhecidas por causa dos depoimentos de Monika Dannemann, ex-namorada de Hendrix. Segundo Cross, ela contou várias versões estranhas sobre o que aconteceu naquele 18 de setembro de 1970, quando viu Hendrix morto. De certo, foi mesmo overdose e sufocamento no vômito. A vida do maior guitarrista da história terminou de forma estúpida.
<b>Uma Sala Cheia de Espelhos
Charles R. Cross
Ed. Seoman
450 páginas
Preço médio: R$ 57</b>
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>