O deputado americano filho de brasileiros George Santos usou dois cheques que pertenciam a um idoso que já havia morrido para comprar o equivalente a quase R$ 5 mil em roupas em uma loja em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, em 2008. Segundo Bruno Simões, o ex-gerente da loja que denunciou a fraude, Santos usou endereços frios na compra e, uma vez confrontado sobre o ocorrido, fez promessas – nunca cumpridas – de ressarcimento.
Segundo o inquérito policial, ao qual o <b>Estadão</b> teve acesso, a mãe de George Santos, Fátima Alzira Horta Devolder, relatou à polícia em 2008 que o talão de cheques pertencia a um idoso para quem ela trabalhava e tinha morrido em 2006. Ela havia ficado de devolver os cheques à agência bancária, mas não o fez. Santos então teria furtado o talão.
O caso estava fechado desde 2011, quando a Justiça não conseguiu encontrar Santos para ser citado, e foi reaberto nesta semana pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Santos ganhou protagonismo nos EUA ao se eleger deputado pelo distrito que representa Long Island no Congresso, derrotando um importante político democrata. A vitória colaborou para a estreita maioria republicana na Casa.
Na época da suspeita de fraude, Simões tentou de tudo para cobrar o prejuízo de Santos, que vivia na comunidade niteroiense de Santa Rosa. Sem sucesso, levou o caso à polícia. O crime foi admitido pelo próprio acusado e levou a um processo por estelionato.
Simões não se conforma de ter arcado com o prejuízo. "A loja descontou do meu salário durante quatro ou cinco meses. Hoje sei que essa prática é ilegal, mas na época não sabia."
Simões, que atualmente é empresário, diz lembrar do dia em que George comprou as roupas com o cheque furtado. "Ele comprou camisa, calça, roupas em geral, e um par de tênis para presentear, segundo ele, o seu namorado", relatou ao <b>Estadão</b>. "Pagou com dois cheques. Sabe quando você tem uma intuição, mas não quer constranger a pessoa? Pouco depois de ele ir embora, fui olhar e vi que tinha caído num golpe. Os cheques não eram dele, eram de uma pessoa chamada Délio."
<b>Tênis</b>
Ao perceber que havia sido vítima de estelionato, Simões foi aos endereços informados por Santos, mas ninguém conhecia o golpista. Sua sorte começou a mudar no dia seguinte. "Uma pessoa chegou à loja querendo trocar um tênis que havia ganhado. Quando abri a caixa, vi que era o par que o Délio tinha comprado. Achei melhor não comentar nada, troquei o tênis e segui esse rapaz. Quando o confrontei, ele disse que não sabia de nada, mas foi aí que descobri que o nome do golpista era George Antony."
A partir daí, Simões prosseguiu com suas buscas. Encontrou o perfil de George no Orkut, então a rede social mais usada na época no Brasil. Entrou em contato com o cliente. Segundo ele, na ocasião, Santos admitiu ter "pisado na bola" e prometeu fazer o ressarcimento, o que nunca aconteceu.
No Orkut, o congressista se apresentava como Anthony Devolder e tinha uma curiosa frase de apresentação: "O melhor profeta do futuro é o passado". Dizia ser "cristão/católico", "inteligente/sagaz" e, entre outras coisas, afirmava gostar de usar roupas de "estilistas famosos".
Simões narra que, após encontrar o perfil do golpista, foi à delegacia, mas a inspetora disse que a área onde Santos morava, na favela Santa Rosa, era de risco e ela não poderia ir até lá de imediato. Simões, então, decidiu ir ao local, mas não conseguiu falar com ninguém. Dias depois, os policiais foram até o endereço e intimaram a mãe de Santos a prestar depoimento.
<b>Processo</b>
Após o inquérito, George Anthony Devolder Santos foi denunciado pelo Ministério Público do Rio pelo crime de estelionato. Sua prisão chegou a ser pedida, mas foi negada. O processo contra Santos foi suspenso anos depois porque a Justiça nunca conseguiu localizar seu paradeiro. Com a eleição de Santos, o processo foi reaberto. Na última semana, o MPRJ informou que vai pedir à promotoria de Nova York que cite o deputado eleito. Se ele não comparecer, será julgado à revelia.
Antes da posse, uma investigação do <i>New York Times</i> revelou que Santos mentiu sobre seu currículo, o que ele então admitiu. Santos também está na mira da Justiça americana por suspeita de irregularidades na prestação de contas da campanha. Há indícios de que ele gastou US$ 11 mil (R$ 58 mil) em aluguel numa casa em Long Island e a utilizou para fins pessoais, o que é proibido pela legislação americana.
Mais de 14 anos após ser vítima do golpe, Simões diz ter poucas esperanças de reaver seu dinheiro, e desejou "sorte" a Santos. "Ele vai precisar. Se eu, que fui vítima de um golpe, fiz de tudo para encontrá-lo, imagina o que os milhares de eleitores dele que foram enganados não devem estar fazendo agora", diz. "Sei o que eles estão sentindo."
Procurado por e-mail e redes sociais, Santos não respondeu aos contatos até a publicação deste texto.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>