Na semana passada, o humorista Fábio Porchat anunciou o término do seu casamento com a produtora cinematográfica Nataly Mega após oito anos de relacionamento. Segundo ele, o motivo foi a divergência entre os dois sobre o desejo de ter filhos. Enquanto o ator não se vê como pai, o que ele já manifestou em várias declarações públicas, Nataly teria o sonho de ser mãe.
A psicanalista Natália Marques diz que esse tipo de situação é mais comum do que parece. Isso porque, se décadas atrás muitas pessoas acabavam tendo filhos sem refletir muito sobre o assunto, hoje esse tipo de decisão se tornou cada vez mais planejada, em especial entre pessoas de classe média a alta, que têm investido mais em autoconhecimento.
A consultora de imagem Priscila Citera, de 42 anos, é um exemplo dessas pessoas. Ela tinha 30 anos e estava casada havia oito quando percebeu que não queria aumentar a família, ao contrário do então marido. "Já estávamos juntos tinha um bom tempo e entendemos que era a hora de ter filhos. Eu parei de tomar o remédio que evita gravidez, mas, toda vez que eu menstruava, ele ficava triste e eu me sentia aliviada", diz.
"Foi então que percebi que tinha algo de errado e comecei a trabalhar isso na terapia. Com o tempo, percebi que aquele não era um sonho meu de verdade. Eu só naturalizei porque a sociedade dizia que, depois de casados, a gente deveria ter filhos", afirma Priscila.
Ela decidiu, então, terminar o relacionamento, mas optou por não revelar ao ex o real motivo. Priscila diz que, influenciada pelo pensamento machista dominante da sociedade de que toda mulher deve sonhar com a maternidade, ela se sentiu uma pessoa egoísta por ter tomado essa decisão.
<b>Escolha que gera consequências</b>
Para a psicóloga Gabriela Luxo, a maternidade ou paternidade deve ser uma escolha tomada não só em casal, mas também individualmente e após muita reflexão, afinal, tem grande impacto na vida das pessoas. Em alguns casos, pode ser interessante procurar sessões de psicoterapia para se conhecer melhor.
"A chegada de uma criança muda completamente a rotina. Quando a pessoa tem um filho sem querer realmente, ela vai passar por uma série de questões emocionais para lidar com a sensação de mudança e de frustração em relação às coisas que podiam ser feitas antes, sem a criança, e que depois não podem mais", diz.
As duas especialistas escutadas pela reportagem ressaltam ainda que tomar esse tipo de decisão por pressão de outras pessoas – seja do parceiro romântico, da família ou da sociedade, de forma geral – cria problemas não só para a pessoa que tomou a decisão, como também para a criança e para o casal.
"Provavelmente, a pessoa que não quer genuinamente ter filhos não vai conseguir dar o carinho e a atenção que gostaria para a criança e pode até se sentir culpada por isso", diz Natália. "Isso pode afetar a autoestima da criança ao passo em que ela se sente indesejada", aponta Gabriela.
Ao mesmo tempo, segundo Natália, o companheiro que queria ter filhos tende a ficar frustrado ao longo do tempo, pois o seu real desejo era de que o outro quisesse a criança tanto quanto ele – algo que está fora do controle de ambas as partes.
A tendência é que, mesmo inconscientemente, a pessoa que cedeu (seja tendo filho sem querer, seja deixando de tê-lo para se adaptar ao desejo do outro) culpe o parceiro por estar vivendo algo que não gostaria. Com o tempo, isso produz ressentimento e tende a afastar o casal.
Priscila concorda com as especialistas. "Só tive coragem de contar para o meu ex marido o real motivo pelo qual decidi terminar depois de alguns meses. Na época, ele chegou a dizer que, se eu tivesse falado a verdade, ele teria aceitado não ter filhos para ficar comigo, mas respondi que mesmo assim não daria certo, pois ele passaria a vida toda jogando isso na minha cara", diz.
"No final, ele concordou comigo e entendeu que fiz o melhor para os dois", acrescenta a consultora de imagem. O ex-companheiro, de acordo com ela, se casou novamente e teve filhos.
<b>Amor romântico x Amor real</b>
Isabella Silva, advogada de 29 anos, também terminou um relacionamento amoroso por não ter o mesmo desejo que a ex em relação a filhos. Ela conta que as duas sabiam dessa divergência desde o começo do relacionamento, mas não se preocuparam com isso a princípio porque queriam "aproveitar o momento".
"Depois de dois anos, essa vontade de ser mãe foi aumentando dentro dela e um dia ela chegou para mim dizendo que tinha começado a pesquisar sobre adoção e que queria já entrar com a papelada", conta Isabella. "Eu me senti pressionada e muito ansiosa, pois ela tomou a decisão sem me perguntar. Ela sabia que eu não queria ser mãe, mas dizia que eu ia mudar de ideia quando conhecesse a criança."
A advogada conta que tentou se adaptar com a ideia da maternidade, mas não conseguiu e optou por terminar o relacionamento. A companheira não lidou bem com a situação. "Ela ficou com muita mágoa e me dizia que eu era egoísta", diz.
Segundo Natália, essa incompreensão vem de uma crença comum na sociedade sobre o amor romântico, que prega que quando duas pessoas se amam de verdade, têm de fazer sacrifícios para ficarem juntas a qualquer custo. No entanto, a psicanalista lembra que um relacionamento precisa de mais que amor para ser saudável e duradouro.
"Estamos acostumados a atrelar términos de relacionamentos sempre com traições ou com o fim do amor. No entanto, é possível que duas pessoas se amem, mas entendam que estão em momentos diferentes da vida, que têm objetivos muito diferentes e por isso optem pela separação", diz. Esse tipo de separação, inclusive, evita que pessoas permaneçam em relacionamentos abusivos, onde uma tem que se anular pela outra.
Isabella conta que sua ex companheira se casou com outra mulher que também queria ter filhos logo após o término traumático. Mas "o casamento não deu certo e depois ela me contou que percebeu que acabou se atropelando ao buscar em outra pessoa aquilo que eu não pude dar a ela", conta.
<b>Diálogo</b>
As profissionais recomendam também honestidade no diálogo com o parceiro. Se o plano de ter filhos está completamente descartado, vale a pena conversar sobre isso com o companheiro abertamente já no início do relacionamento, de forma a evitar frustrações e permitir que o outro faça suas escolha
"O ideal é que as pessoas conversem sobre seus objetivos de vida desde o começo do relacionamento e busquem namorar com quem está alinhado a eles", recomenda Gabriela.
Mesmo assim, Natália lembra que é comum que as pessoas mudem de ideia sobre seus objetivos de vida ao longo do tempo, como foi o caso de Priscila. Por isso, é importante que exista respeito e um canal de escuta sem julgamentos para entender as fases do outro. "Infelizmente não é isso que vemos no consultórios. Muitos casais têm dificuldade em conversar abertamente", diz Gabriela.
Também pesa no cenário a possibilidade maior de adiar a gestação atualmente em relação ao que havia no passado. Isso ocorre diante do avanço das técnicas de fertilização e das mudanças de hábitos socioeconômicos e culturais, como o fato de uma parte das mulheres buscarem foco e estabilização na carreira antes de serem mães. Com isso, muitos casais adiam ao máximo as conversas sobre engravidar ou adotar uma criança.
Depois da experiência, Isabella afirma preferir não se relacionar com mulheres que querem ter filhos. Já Priscila ainda se relaciona com homens que planejam serem pais no futuro, mas diz que opta por deixar claro e se certificar de que a escolha dela não é um problema para a pessoa.