Após uma manhã de instabilidade, o dólar à vista se firmou em terreno negativo no mercado doméstico de câmbio ao longo da tarde desta segunda, 23, alinhando-se ao sinal predominante de baixa da moeda americana em relação a divisas emergentes e de exportadores de commodities. Com agenda de indicadores esvaziada e liquidez reduzida, em meio ao feriado de Ano Novo Lunar na China, a divisa fechou a sessão desta segunda-feira, 23, em leve queda (0,15%), cotada a R$ 5,20, após oscilar entre mínima a R$ 5,1655 e máxima a R$ 5,2210.
Segundo operadores, depois de uma sequência de três pregões de alta e de uma valorização de 1,98% do dólar na semana passada, havia espaço para um respiro do real, dado o ambiente externo propício ao risco. O vaivém das versões em torno da criação de uma suposta moeda única entre Brasil e Argentina (na verdade uma unidade de troca para fins comerciais) foi monitorado, mas não teve papel relevante na formação da taxa de câmbio. Falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Buenos Aires sobre papel mais ativo do BNDES em financiamento a outros países, contudo, trouxeram preocupações.
Parte da alta do dólar pela manhã foi atribuída ao desconforto com a piora das expectativas de inflação reveladas pelo Boletim Focus, o primeiro após as críticas do presidente Lula ao nível das metas de inflação e à autonomia do Banco Central. A mediana das projeções para o IPCA deste ano subiu de 5,39% para 5,48% (de 5,23% há um mês). Houve também deterioração das estimativas para 2024 (de 3,70% para 3,84%), ao passo que a expectativa para 2005 se manteve em 3,50%. Amanhã, sai o IPCA-15 de janeiro. A mediana de Projeções Broadcast é de 0,52%, idêntica à variação registrada pelo índice em dezembro.
Os altos e baixos do dólar por aqui também estiveram ligados ao comportamento do índice DXY, que mede o desempenho da moeda americana frente a uma cesta de seis pares fortes. Não por acaso, a mínima do dólar, na casa de R$ 5,16, se deu quando o índice tocou território negativo, aos 101,589 pontos. E a divisa voltou ao nível dos R$ 5,20 na reta final dos negócios justamente quando o DXY flertou com o patamar dos 102,200 pontos.
O diretor de produtos de câmbio da Venice Investimentos, André Rolha, observa que, a despeito do soluço hoje, o DXY vem perdendo força com a perspectiva de aperto monetário menos intenso pelo Federal Reserve, o que favorece a moeda brasileira.
"O pano de fundo local não mudou, tem muita preocupação como fiscal. Mas o sentimento global melhorou, com alta das commodities. O Brasil também continua muito atrativo para carry trade porque os juros não vão cair tão cedo", diz Rolha, para quem o dólar, após o estresse no início do ano, passa por uma acomodação. "Tem gordura para queimar ainda, mas quando caia baixo de R$ 5,10, aparece uma demanda grande de compra".
Por aqui, causou rebuliço declaração do ministro da Argentina, Sergio Massa, ao Financial Times, no domingo, dando conta de que há conversas para criação de moeda única entre Brasil e Argentina, à semelhança do euro.
O economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, ressalta que há muitos anos é discutida a intenção de construir uma moeda (digital ou não) que possa ser usada como unidade de pagamentos para o comércio dentro do Mercosul e que há até discursos do ex-ministro Paulo Guedes sobre o tema. "Ao que tudo indica, o governo argentino quis ganhar em cima da notícia de que os dois governos vão iniciar estudos e acabou falando em moeda comum. A Argentina tem eleições em 2023 e o apoio de Lula é visto como relevante", afirma Oliveira, em nota.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Massa assinaram hoje memorando conjunto para simplificação e modernização de acordo de pagamentos em moedas locais. O documento dá início a estudos para criação de unidade com de troca entre os dois países restrita a transações comerciais e financeiras.