O governo Luiz Inácio Lula da Silva quer obrigar plataformas digitais a retirarem do ar conteúdo enquadrado em crime contra da democracia e terrorismo. O prazo é de duas horas, o mesmo usado na campanha de 2022 pelo Tribunal Superior Eleitoral para derrubada de desinformação e notícias falsas.
As propostas do governo são lançadas sem que exista uma definição na lei brasileira a respeito dos conceitos de desinformação e notícias falsas. A Câmara dos Deputados chegou a analisar, mas não votou, na legislatura passada, o projeto de lei das fake news. A ideia de retirada de conteúdo das redes sociais tem sido criticada pelo receio de que possa vir a se configurar como censura e não haver clareza sobre o que deve ser considerado informação falsa.
Como mostrou o <i>Estadão</i>, o perfil oficial da Secretaria de Comunicação da Presidência no Twitter, no entanto, tem sido alvo de críticas por compartilhar informações que podem ser classificadas como inverídicas. Nesta quarta-feira, 25, por exemplo, o governo postou um banner no qual afirma não haver risco de prejuízo nos financiamentos de obras no exterior pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A ideia de supressão de conteúdo consta no rascunho de uma Medida Provisória, elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, e apresentada nesta quinta-feira, dia 26, ao presidente. Lula não comentou o plano, mas segundo o ministro Flávio Dino, a intenção é que a MP seja encaminhada em fevereiro ao Congresso Nacional, junto ao que batizou de "Pacote da Democracia".
A ideia do ministro é criar obrigações jurídicas compulsórias às Big Techs, quando houver cometimento de crimes contra o Estado Democrático de Direito ou de terrorismo, em ambientes virtuais. Para Dino, as empresas devem ter a responsabilidade de prevenção à preparação e à prática de crimes e na retirada de conteúdo do ar, seguindo ordem judicial. Em caso de descumprimento, o governo sugere que as plataformas digitais sejam multadas. O valor da sanção não foi informado.
Dino nega que a ideia resvale em uma ideia de regulação da internet, de definição do conceito sobre o que é ou não democrático e mecanismos de censura.
"A nossa proposta se restringe a crimes tipificados no Código Penal. Não há indefinição de condutas, e essa é a principal trava para considerar que isso seria censura. Não estamos falando de postagens antidemocráticas de um modo geral, mas de postagens que correspondam especificamente aos crimes tipificados contra o Estado Democrático de Direito e ao terrorismo", afirmou o ministro. "A medida provisória não é uma norma penal, mas cria obrigações para as plataformas no que se refere a crime contra o Estado Democrático de Direito e terrorismo. Não é a regulação da internet, nem se confunde com fake news, de forma geral. Estamos cuidando apenas de um item."
O ministro afirmou que a sugestão seria aplicar em ambiente virtual analogamente o que já vale na prática nas ruas. "Temos que buscar a simetria, a congruência lógica entre ruas e redes. O que não pode nas ruas, não pode nas redes."
"Um shopping center não pode ter um quiosque no corredor ensinando a fabricar bomba. Esse shopping seria responsabilizado se o fizesse. Mas empresas que operam no meio virtual consideram que não têm nenhuma obrigação jurídica com relação ao que lá transita. Não concordamos com isso. As margens de lucro auferidas por esse modelo de negócio não podem significar abrigo a práticas criminosas. Isso deve se dar com muito cuidado para proteger a sagrada liberdade de expressão, mas não pode ser um vale tudo. Nenhuma liberdade é absoluta. Não existe liberdade de expressão para quem quer destruí-la."
Além da MP focada nos crimes na internet, Dino apresentou a Lula mais três iniciativas do pacote: proposta de emenda à Constituição (PEC) para criação de uma Guarda Nacional, de caráter permanente, a partir da Força Nacional de Segurança Pública; projeto de lei para acelerar a perda de bens de pessoas e empresas envolvidas em crimes contra o Estado Democrático de Direito e o terrorismo; projeto de lei para aumentar a pena de quem organiza ou financia esses mesmos crimes ou tornar crime atentar contra a vida dos presidentes dos três poderes.O governo não tornou pública ainda a íntegra das minutas dos quatro projetos. Eles serão discutidos internamente e aprofundados com Lula e outras pastas, como a Advocacia-Geral da União e a Casa Civil. Dino afirmou que os projetos serão "pontuais" e que o pacote não será extenso, para facilitar a tramitação no Congresso. Segundo ele, o pacote é suficiente, mas podem surgir mudanças nos debates dentro do governo.
Ao assumir o Palácio do Planalto, Lula prometeu uma ofensiva contra a desinformação e o discurso de ódio. Ele quer articular uma forma de governança internacional sobre o assunto e vai discutir, na próxima semana, maneiras de enfrentamento da extrema direita com o chanceler alemão Olaf Scholz, na primeira visita de Estado que recebe no novo mandato. Autoridades alemãs dizem que o governo não tem ainda ideia das propostas de Lula, mas estão abertas a discutir e colaborar.
A ofensiva de Lula ultrapassa o Ministério da Justiça. O governo criou uma diretoria de Crimes Digitais, na Polícia Federal, para tratar do combate aos crimes contra a democracia. Em outras frentes, o ministro Flávio Dino tem uma assessoria de Direito Digital. A Secretaria de Comunicação Social da Presidência tem uma Políticas Digitais, pra combate à desinformação e discurso de ódio, e a Advocacia-Geral da União criou uma Procuradoria de Defesa da Democracia.
O ministro afirmou que, após as discussões internas no governo, haverá debate sobre o pacote com o Congresso e também com os secretários de Segurança Pública dos Estados.
Dino disse que o governo federal já gastou cerca de R$ 40 milhões neste ano com reparação de patrimônio público depredado no 8 de janeiro, além da preparação de esquemas especiais de segurança, com mobilização de milhares de agentes e fechamento da Esplanada dos Ministérios, por causa de ameaças de extremistas. Outro será preparado para a posse do Congresso e a abertura dos trabalhos no Judiciário.
"Internet não pode ser território livre para perpetração e nascimento de itinerários criminosos relativos a esses tipos penais e outros. O terrorismo político não é videogame, nem é imune a consequência gravíssimas. Isso impacta na segurança pública de modo deletério", afirmou o ministro. "É culpa de quem financia, de quem pratica, organiza, acha bonito e apoia politicamente terorismo político."
Segundo Dino, a proposta de atuação da Guarda Nacional em Brasília ficará restrita a algumas áreas de nível federal, como ocorre em Washington, na capital dos Estados Unidos. Seriam criados perímetros de segurança federal, onde a guarda teria o poder de policiamento ostensivo, sobretudo na área cívica de Brasília. No Plano Piloto, uma delas seria a Esplanada dos Ministérios. O restante da segurança pública continuaria sob responsabilidade das forças policiais do governo distrital. Nas áreas de segurança federal, a guarda substituiria a Polícia Militar do DF.