Estadão

Mortes por policiais caem 61% em 2 anos após uso de câmeras na farda

As mortes cometidas por policiais militares em serviço em 2022 caíram para o menor patamar desde 2001 no Estado de São Paulo. Só na comparação com o ano anterior, a queda foi de 39%, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública. Em relação há dois anos, a redução é de 61%. Especialistas e autoridades, que classificam a queda como "significativa", apontam o uso das câmeras corporais, aquisição de mais armas não letais e a criação de órgãos de fiscalização da conduta dos policiais como as principais razões para a queda da letalidade policial.

Dados oficiais apontam a morte de 256 pessoas por policiais militares em serviço em 2022. É o menor número das últimas duas décadas. Em 2021, foram relatados 423 casos. Em 2020, havia ficado em 659 mortes. Entre os policiais de folga, houve aumento: as ocorrências com morte subiram de 120 para 126 na comparação dos últimos dois anos. Considerando-se o total de ocorrências (serviço e folga), foram 382 casos de letalidade da PM em 2022 ou uma queda de 29,6% em relação a 2021 (543 mortes). Esse índice é o menor desde 2005.

Na visão dos especialistas, um dos fatores responsáveis pela queda é o uso das câmeras corporais. Acopladas às fardas, as câmeras gravam imagens das atividades policiais em tempo real e transmitem os dados para uma central. Isso permite acompanhamento das ações e armazenamento na nuvem.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, "todas as abordagens, fiscalizações, buscas, varreduras, acidentes e demais interações com o público" são registradas automaticamente. Implementadas em agosto de 2020 e expandidas ao longo de 2021, as câmeras fazem hoje parte da rotina de 179 unidades policiais, em 66 dos 134 batalhões da PM, com mais de 10 mil equipamentos corporais em uso.

<b>Governo</b>

O uso das câmeras foi um dos temas centrais da campanha eleitoral ao governo estadual no ano passado. Uma das mais polêmicas promessas do então candidato ao governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) era rever o programa de câmeras instaladas nas fardas dos policiais militares. Posteriormente, Tarcísio recuou. "Não vamos alterar nada. Para quem está esperando que a gente mexa nesse programa agora, não vamos mexer", declarou o governador no início do mês.

Posição semelhante foi adotada também pelo secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite. Ele chegou a acenar com uma alteração do programa, mas depois recuou. Nesta sexta-feira, 27, em entrevista coletiva, Derrite afirmou que pretende ampliar o uso das câmeras, mas com foco operacional. Os equipamentos serão usados, por exemplo, para a leitura das placas de veículos roubados ou para a preservação de cenas de crime.

"Daremos funcionalidade operacional para as câmeras. Além da finalidade de fiscalização e controle, que é válida, podemos usar na leitura de veículos com placas roubadas, por exemplo. Ou ainda em novas modalidades de policiamento, como policiamento ambiental, com a vistoria em matas fechadas e a tecnologia de georreferenciamento para saber onde o policial se encontra."

<b>Análise</b>

Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), antecipado pelo <i>Estadão</i> e divulgado no fim do ano passado, apontou que o uso de câmeras corporais nos uniformes da Polícia Militar de São Paulo evitou 104 mortes.

Segundo o estudo, as câmeras corporais tiveram um impacto positivo, reduzindo em 57% o número de mortes decorrentes de ações policiais em relação a unidades policiais onde ainda não houve a implementação desse tipo de tecnologia.

As conclusões do estudo esvaziaram o discurso adotado na campanha eleitoral pelo governador eleito de que as câmeras inibiriam e constrangeriam os policiais durante o trabalho. A revisão do programa de monitoramento enfrenta resistência na cúpula das forças de segurança do Estado.

Diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno reconhece a importância dos equipamentos, mas afirma que eles não são os únicos responsáveis pela queda da letalidade.

A especialista cita um estudo realizado em parceria com a Unicef, entre 2020 e 2021, que mostra a redução da letalidade em todos os batalhões militares, inclusive naqueles que não usavam o equipamento de filmagem. "A câmera corporal é importante, mas não é uma panaceia, a solução definitiva para os problemas do uso excessivo da força", diz.

<b>Medidas</b>

Entre as outras iniciativas que, em sua opinião, também contribuem com a queda estão a criação do Comissão de Mitigação de Não Conformidades da Polícia Militar, uma espécie de área de compliance da corporação, formada por oficiais, para avaliar os casos de uso da força, como mortos e feridos em supostos confrontos com policiais militares no Estado.

Outro fator importante é a aquisição de mais armas não letais. Hoje são cerca de 7,5 mil tasers (armas de choque) em São Paulo. "(A PM é) a terceira maior força policial no mundo a utilizar esse tipo de equipamento, atrás apenas das polícias de Nova York (EUA) e Londres (Reino Unido)".

O secretário Derrite destacou ontem a formação e a capacitação como fatores que também influenciam, na sua visão, na redução das mortes por policiais. "Além das câmeras corporais, que são uma defesa do próprio policial, evitando que o criminoso tente enfrentar o Estado, na figura do policial, o treinamento dos policiais é fundamental para não se colocar em situação de risco".

Derrite questionou, inclusive, a expressão "letalidade policial". Em sua visão, a expressão mais adequada seria "letalidade criminal". "O policial é sempre a primeira vítima de um confronto. É ele que recebe o primeiro disparo. Eu chamo de letalidade criminal. É nosso compromisso não estimular o confronto."

No dia 12 deste mês, policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) mataram dois suspeitos durante ocorrência que terminou na Rua da Consolação, na região central da capital. A polícia dizia perseguir suspeitos ligados a uma quadrilha de assalto a condomínios na Grande São Paulo. Um terceiro suspeito sobreviveu no caso.

A abordagem está sob análise do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil. As imagens gravadas pelos policiais serão analisadas para verificar a versão apresentada pelos agentes.

<b>Secretário fala em defasagem de agentes na polícia</b>

O policiamento no Estado enfrenta a maior defasagem de homens em sua história recente. O diagnóstico é do novo secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. "Ninguém está aqui para tapar o sol com a peneira. Herdamos a pior defasagem de efetivo policial da história. Estamos trabalhando com efetivo de cerca de 15% na Polícia Militar, 25% da Polícia técnico-científica e quase 33% da Polícia Civil", afirmou, no Centro de Operações da Polícia Militar (Copom).

O secretário reconhece que a falta de policiais cria desafios para as operações. "A PM possui mecanismos e estratégias para identificar manchas criminais para fazer o deslocamento do policiamento que, em tese, não iria para aquela região, para coibir esses delitos. Mas, com a defasagem, a gente ainda não consegue evitar que todos os delitos cessem de uma hora para outra", avalia.

Diante do cenário, a pasta vem tentando aumentar o efetivo. Além da publicação e nomeação de 878 novos soldados, publicadas no Diário Oficial, existe um concurso em andamento da Polícia Civil com 2.939 vagas, sendo 250 delegados de polícia, 1.600 escrivães, 189 médicos legistas. "Provavelmente, teremos concomitância de concursos para que a gente consiga recompor a defasagem do efetivo", afirma o secretário.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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