Grupos de inteligência do governo federal e líderes do movimento indígena nas regiões Yanomamis de Roraima registraram neste fim de semana vídeos de grupos de garimpeiros deixando a região. Com as restrições governamentais na área e informações de uma intervenção federal, garimpeiros chegaram a gravar vídeos pedindo socorro. Mas um dos maiores receios é de que muitos deles apenas se desloquem para outra área, como a da Raposa Serra do Sol.
O garimpo ilegal em Território Indígena (TI) da Amazônia Legal cresceu 1.271% em 36 anos. Em 1985, eram 7,4 quilômetros quadrados de lavras. Em 2020, 102,16 quilômetros quadrados, de acordo com estudo realizado por pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e Universidade do Sul do Alabama. Em 2020, quase toda essa atividade fora da lei (95%) se concentrou na área protegida de três etnias específicas: Kayapó, Munduruku e Yanomami.
A debandada acontece depois das ordens do presidente Lula para bloquear acesso à área pelas Forças Armadas e Ministério da Defesa para estrangular ações de grupos que sustentam garimpo ilegal na terra indígena. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, desembarcou em Roraima anteontem para acompanhar as ações que tentam conter a crise humanitária envolvendo os Yanomami no Estado. À imprensa, a ministra afirmou que esse movimento de saída espontânea desses grupos é um elemento necessário para que as ações de atendimento aos grupos indígenas afetados pela mineração ilegal seja efetiva e duradoura. "Para que a gente consiga sair dessa situação de emergência em saúde, é preciso combater a raiz, que é o garimpo ilegal. Não é possível que 30 mil Yanomamis sigam convivendo com 20 mil garimpeiros dentro do seu território."
O governo de Roraima declarou acompanhar e manter o governo federal informado sobre essa saída. Mas a preocupação é que esse comportamento leve à ocupação de outras áreas de garimpo ilegal conhecidas no Estado e anteriormente foco de conflitos que também ganharam destaque nacional, como a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. "Temos de ter estratégias, que não podemos compartilhar com vocês, para que isso não ocorra. Temos de ter vigilância maior em todas as terras indígenas", disse Lucia Alberta Andrade, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
<b>Mobilização</b>
Foi possível monitorar não apenas homens, mas também mulheres e crianças que resolveram evitar problemas com a Justiça e saíram das áreas indígenas após a divulgação da operação integrada que deve ocorrer nos próximos dias. Outros alegam dificuldades para deixar o local.
Em um vídeo, garimpeiros informaram caminhadas de 30 dias pela floresta e barcos lotados para deixar a área indígena e chegar em alguma região urbana, mas muitos doentes e mulheres continuam no garimpo sem ter como sair. Em outro, garimpeiros afirmam estar sem comida e pedem ao Exército e à polícia para serem resgatados. Outro grupo de garimpeiros, desta vez de mulheres divulgou um vídeo em que uma delas pede que acionem o "recursos humanos", pois estão sem mantimentos. "Não estão resgatando ninguém, a gente está preso aqui", afirma.
Elas relataram ainda a cobrança de R$ 15 mil para deixar o local em um voo de helicóptero e que por serem mulheres, "não vão conseguir" andar por 30 dias. "Precisamos de uma resposta urgente do governo federal para os garimpeiros ficarem em determinado local em lugar de andarem pela floresta, pois correm risco de entrar em confronto com indígenas", diz Jailson Mesquita, articulador político do movimento garimpeiro em Roraima.
"Falei com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio (Defesa )e propusemos ao governo federal que avalie uma forma de apoiar o Estado no recebimento e incentivo para esses trabalhadores (homens, mulheres e até crianças) que desejam sair de forma espontânea e pacífica, evitando qualquer tipo de confronto", frisou o governador de Roraima, Antonio Denarium. "Informei a ele que iremos avaliar com muito carinho", afirmou Múcio, em resposta.
<b>Garimpo ilegal</b>
No dia 20, o governo federal declarou emergência em saúde pública após identificar alta de casos de malária, desnutrição infantil e problemas de abastecimento. A situação está ligada ao aumento desenfreado do garimpo ilegal na região e à falta de assistência. As imagens de indígenas magros e abatidos, entre eles várias crianças, chamaram a atenção nas redes sociais e na comunidade internacional. Mais de mil Yanomamis precisaram ser resgatados, muitos em estado grave. Uma pesquisa publicada na revista científica Remote Sensing buscou o que está por trás desse desastre humanitário e chegou ao avanço de 1.271% no garimpo ilegal.
O estudo utilizou dados dos sistemas Prodes e Deter, do Inpe, e do MapBiomas, plataforma que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia. Eles destacam que a taxa média anual de desmatamento nas TIs da Amazônia Legal nos últimos três anos ficou 81% acima da taxa média anual do período de 2012 a 2021. "Os principais impulsionadores do desmatamento estão relacionados ao abastecimento dos mercados globais de gado, colheitas e madeira e às demandas locais por colheitas de alimentos. Além disso, as redes de expansão rodoviária e abastecimento do setor de mineração também impulsionam o desmatamento", afirma o estudo.
No garimpo, a maior parte da mineração nas TIs, em 2020, (99,5%) estava relacionada à extração de ouro. E os pesquisadores relatam, fora projetos de lei que tramitam no Congresso, o número de solicitações de permissões de mineradoras para prospectar dentro de TIs passa de 2.600 na Agência Nacional de Mineração do Brasil. "Esta é uma grave ameaça aos povos indígenas que habitam as TIs, principalmente os isolados. As ameaças mais comuns associadas à atividade mineradora aos povos indígenas são episódios de violência e conflitos fundiários, degradação de mananciais e poluição dos ecossistemas aquáticos e terrestres. Essas ameaças são, direta e indiretamente, prejudiciais à saúde humana", concluem os cientistas.
<b>Rota é de mata fechada ou por rio que foi poluído por mercúrio</b>
Da sede da área indígena, chamada de Surucucu até Boa Vista, capital de Roraima, são ao menos 280 quilômetros de viagem – o que dá cerca de 1h30 de voo, ou mais de oito dias caminhando pela floresta. A região é de mata fechada e montanhosa, o que pode agravar o trajeto de fuga dos garimpeiros. De barco, eles devem enfrentar um percurso de, pelo menos, sete dias pelo Rio Uraricoera, um dos contaminados por mercúrio na região.