O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira, 15, que é necessário reduzir os juros para destravar os investimentos no Brasil. "Acho que, com 8% de taxa real ex-ante, é difícil navegar", afirmou, durante evento do BTG Pactual.
As declarações vêm dois dias depois de o Diretório Nacional do PT, partido de Haddad, aprovar uma resolução que orienta as bancadas da sigla na Câmara e no Senado a convocar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para que preste esclarecimentos no Congresso sobre o nível da taxa Selic.
Durante a sua fala, Haddad afirmou considerar melhor "chamar a atenção" para os juros altos do que para as metas de inflação. Como mostrou o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), a incerteza em torno do futuro das metas dominou as três reuniões feitas pelo BC com economistas do mercado esta semana.
"É melhor chamar atenção para isso do que para a meta, porque está todo mundo com meta de 3%, sabendo que não vai atingir. Ninguém cumpriu meta no mundo, ninguém cumpriu meta. Pega 2022, ninguém cumpriu. Quem mais se aproximou fomos nós, porque socamos a taxa de juros para lá", disse o ministro.
<b>Harmonização da política fiscal com a política monetária</b>
O ministro da Fazenda disse que faz parte do seu trabalho harmonizar a política fiscal com a política monetária e construir a narrativa sobre o tema. "Esse jogo de construção de narrativa, de harmonização das políticas fiscais e monetária, de harmonização do discurso do Estado com a sociedade, isso faz parte do trabalho do Ministério da Fazenda, não faz parte do trabalho de um economista necessariamente", afirmou.
Instantes antes, Haddad havia dito ser necessário compreender que o Brasil não vai levar a inflação de 6,0% para 3,0%, o centro da meta estabelecido para os anos de 2024 e 2025. Ele defendeu que há várias formas de se endereçar a política fiscal e monetária.
O ministro acrescentou considerar que a economia não se trata de uma ciência exata e afirmou que os principais macroeconomistas do mundo reconhecem que o arcabouço teórico é insuficiente para explicar a realidade hoje.
"Você não tem hoje um paradigma teórico que diz olha, esse aqui é o que funciona . Você tem várias ocorrências desafiando os teóricos", afirmou o ministro, para quem é necessário "testar o terreno" de um "mundo novo".
<b>Déficit primário</b>
O ministro da Fazenda disse ainda que o déficit primário do Brasil poderia ficar abaixo de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 caso os efeitos negativos da política monetária apertada não se manifestem este ano. "Se os efeitos deletérios desses 8% de juros real não se fizerem sentir fortemente este ano, coisa que duvido, fora Carf, fora tudo que eu reonerei, fora combustíveis, que a decisão será tomada este mês, fora tudo isso, nós estamos com déficit menor que 1%", afirmou.
Durante participação no evento do BTG Pactual, Haddad disse que a tendência é de uma melhora progressiva das projeções para o cenário. Ele afirmou que, em janeiro, as receitas do governo já ficaram R$ 19 bilhões acima do previsto, contando R$ 6 bilhões em dividendos que deveriam ter sido pagos pela Petrobras.
O ministro disse que a situação do País é melhor hoje do que há um mês e que as expectativas do mercado estão contaminadas pelo ruído doméstico. "Eu sei que está, lamento que esteja e, mais do que lamentar que esteja, lamento ainda se a autoridade monetária se deixar levar por isso, não é esse o papel", afirmou.
Haddad acrescentou que o Brasil está em situação favorável do ponto de vista geopolítico e é forte candidato a atrair investimentos, inclusive devido aos processos de <i>nearshoring</i> e à disponibilidade de energia limpa. "Se aproveitarmos a janela, nós podemos ter uma performance melhor do que a economia mundial", disse.
<b>Americanas</b>
Em meio à tensão entre o Executivo e o Banco Central, o ministro da Fazenda afirmou que a comunicação é constante entre Fazenda e a autoridade monetária e que não vê motivo para se preocupar com esse ruído neste momento. Ele avaliou que o patamar atual dos juros no Brasil trouxe à tona o rombo na Americanas e alertou que outras empresas, mesmo aquelas que estão em dia com compromissos, podem enfrentar problemas similares em um futuro próximo.
Durante a participação no evento CEO Conference, do BTG Pactual, Haddad relatou uma conversa com André Esteves, chairman do banco, em que o banqueiro contou que a Americanas era um problema microeconômico para a instituição – uma das credoras da varejista.
O ministro considerou, contudo, que o problema é macroeconômico, porque o rombo da empresa representa 0,50% do Produto Interno Bruto. Ele também citou que a questão causou estresse e criticou a falta de pronunciamento dos responsáveis pela companhia.
"Aquilo veio à tona por causa da taxa de juros. Podia rolar por três, quatro anos aquela bagunça. Alguma hora ia aparecer. Mas, de repente, a taxa de juros vai de 2% para quase 14% e o corpo boia. O cadáver que estava no fundo do mar sobe e fica tudo exposto", avaliou. "Mas agora foi um problema de fraude. E daqui a um mês, dois meses, seis meses, será que aquele que se comportou direitinho, pagou seus fornecedores, registrou suas dívidas, será que ele vai suportar isso?"
<b>Juntas</b>
Nesse contexto, o ministro voltou a dizer que as políticas fiscal e monetária fazem parte de um todo que se combina. "Política econômica se harmoniza em função de um objetivo."
Segundo Haddad, a conversa com o BC é diária, até porque há muitos assuntos que envolvem a autoridade monetária e que estão na Receita Federal ou na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, por exemplo. "Há muita coisa unânime entre Fazenda, BC e Planejamento. A comunicação nunca deixou de existir e nunca deixará. É ruído, temos que entender que nervosismo toma conta. Não vejo motivo para se preocupar com ruídos. Vamos nos preocupar com problemas reais. Podemos equacionar problemas reais se soubermos construir caminhos."