Uma condenação por tráfico de drogas foi pivô de novo embate entre o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, e o Tribunal de Justiça de São Paulo. Em despacho assinado no último dia 13, o ministro criticou o que chamou de menosprezo à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por parte da Corte paulista. Na sexta-feira, 24, o presidente da Seção Criminal do Tribunal de São Paulo, desembargador Francisco José Galvão Bruno, saiu em defesa da Corte estadual, evocando a independência no exercício da função jurisdicional . Bruno alegou que a respeitabilíssima jurisprudência dos Tribunais superiores seria ótima, se vivêssemos na Suíça .
No centro do imbróglio está o caso de um homem que acionou o STJ dizendo ser vítima de coação ilegal em razão de um acórdão da 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal. Ele foi condenado à pena de oito anos de reclusão, em regime inicial fechado. À Corte superior, o réu pediu que fosse fixado o regime inicial semiaberto para cumprimento da pena.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou mudar o regime inicial aplicado ao caso, o desembargador Freddy Lourenço Ruiz Costa, relator, defendeu que a imposição do regime fechado ao investigado com base na gravidade abstrata do delito e nos malefícios gerados pelo tráfico de drogas à sociedade como um todo .
Quando o caso chegou ao STJ, Schietti Cruz avaliou que, uma vez que o investigado tinha bons antecedentes e foi definitivamente condenado à reprimenda não superior a oito anos de reclusão, é devida a imposição do regime inicial semiaberto.
Ao analisar recurso da defesa do investigado, o ministro Rogério Schietti considerou que não foram apontados elementos concretos que, efetivamente, evidenciassem a imprescindibilidade de fixação do modo mais gravoso para cumprimento da pena.
O ministro destacou que uma das fundamentações usadas para manter a aplicação de regime inicial fechado no caso foi declarada inconstitucional pelo Supremo há mais de dez anos.
Nessa linha, o ministro do STJ fez dura crítica à conduta do Tribunal de Justiça de São Paulo. "Impõe o registro de que tal postura do órgão judicante de origem – repita-se: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo -, de descumprimento deliberado e reiterado de decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, em nada contribui para a higidez do sistema de justiça criminal e traduz menosprezo à jurisdição da Suprema Corte do país, a quem compete, por definição da Lei Maior, a função de, em última análise, dar interpretação às normas constitucionais".
<b>Reação</b>
Em resposta ao ministro do STJ, o presidente da Seção Criminal do TJ divulgou nota em que afirma que, mais uma vez , o órgão tem de responder a injustificável ataque em razão das considerações incabíveis de Schietti. Francisco José Galvão Bruno afirmou que a independência no exercício da função jurisdicional é direito democrático sagrado do magistrado.
Argumentou ainda que o Brasil não segue sistema em que precedentes são praticamente vinculantes e que a jurisprudência mesmo pacífica e até sumulada é mera orientação .
O desembargador diz que o entendimento do ministro do STJ, de que a jurisprudência uniforme contribui "para a higidez do sistema de justiça criminal" , trata-se de mera opinião .
Segundo o magistrado, muitos juízes com bons fundamentos, pensam diferentemente . "Não se justifica o tom professoral e até insultuoso adotado por Sua Excelência – cuja honrosa posição não o transforma em dono da verdade", sustentou.
"Até mesmo uma crítica seria admissível; não é demais exigir, porém, que o dever de cortesia, que obriga a todos os servidores públicos, seja seguido. Ninguém ignora que a maioria dos juízes (com ou sem razão) pensa que a respeitabilíssima jurisprudência dos Tribunais superiores seria ótima, se vivêssemos na Suíça; nem por isso, porém, devem eles ficar repetindo isso em suas decisões. Seria, quando menos, uma descortesia e até desconsideração; mas quem quer ser respeitado deve também dar-se ao respeito", completou o desembargador.
O entrevero entre magistrados não é inédito. Em 2020, Schietti criticou decisões adotadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que, na sua opinião, passam a impressão de serem uma medição de forças contra as Cortes superiores do País. Em resposta, o então presidente da Seção de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Guilherme Strenger, sustentou que os magistrados paulistas atuam com compromisso assumido à fiel observância ao ordenamento jurídico vigente realizando julgamentos eminentemente técnicos .