Assim como a autobiografia de Rita Lee, lançada em 2016, veio para dar a sua versão sobre fatos da própria vida que há anos são contados de várias formas, e que seguem livremente no ar para serem recontados muitas vezes, o livro que a roqueira escreveu durante os dias de convívio com o câncer foi a maneira que ela encontrou para dar também a sua visão sobre, pode-se imaginar, alguns dos dias mais difíceis desses 75 anos desde que ela saiu do ventre de dona Romilda Padula Jones, na véspera do ano-novo cravada entre 1947 e 1948.
Difícil imaginar que não exista dor e drama em suas páginas, além do inevitável desconsolo de quem descobre que Rita Lee também é de carne e osso. Sim, a parte difícil está lá, mas a última transgressão de Rita também, segundo quem teve acesso ao conteúdo não finalizado do livro: o deboche daquilo que era para assombrar e o autodeboche de alguém que – será? – deveria estar chorando.
Houve muita agilidade na Editora Globo para que o texto de Rita, iniciado em 2021, depois das notícias de que o desconforto pulmonar que ela sentia naqueles tempos brabos de covid-19 tinha a ver com a existência de tumores em seu pulmão, se tornasse um livro. Conforme o Estadão adiantou à época, Rita passou a fazer anotações já pensando em usá-las para uma publicação.
MONTANHA-RUSSA. A vida, então, passou a definir seu roteiro. Um ano depois do primeiro cataclismo emocional, com a identificação do tumor que a levou a fazer 30 sessões de radioterapia e outras mais de quimioterapia, a família experimentou uma ilha de alívio. Exames pedidos pela equipe do Hospital Albert Einstein mostravam que os tumores haviam desaparecido do pulmão. Uma remissão completa. Os fãs festejaram, a família suspirou e Beto Lee, um dos filhos do casal, comemorou no Instagram: "A cura da minha mãe me emocionou pra car…. Melhor notícia de todos os tempos".
Mas Rita, a família e os médicos seguiram, e seguem, em vigilância, e alguns sinais de que a doença poderia ter migrado em seu organismo a levaram à internação para acompanhamento e mais testes no Einstein, no dia 25 de fevereiro. O que os exames mostraram é algo que só diz respeito à família, aos médicos e a Rita Lee. Talvez a própria Rita fale sobre o assunto, à sua maneira, nas páginas do livro. Talvez, não. Mas resultados científicos e sentenças divinas já nem importarão tanto. A palavra de Rita no texto, como nas canções, se sobrepõe a sua própria existência com uma força de imortalidade que a tornará presente mesmo quando ela for completamente invisível.
UM PEDIDO. Ao entregar os originais, Rita pediu que o livro fosse lançado em 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia. Se o nome do primeiro foi Uma Biografia, este se chamará Rita Lee: Outra Biografia, e já está em pré-venda e é o primeiro colocado na gigante Amazon.
As únicas palavras da cantora até agora sobre o lançamento foram escritas em um post feito no dia do anúncio oficial do livro: "Quando decidi escrever Rita Lee: Uma Biografia, em 2016, o livro marcava, de certo modo, uma despedida da persona ritalee, aquela dos palcos, uma vez que tinha me aposentado dos shows. Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vida besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos e acha que sabe de algum coisa, Deus dá uma risadinha sarcástica".
A questão é que Rita responde a Deus com outra. De um pouco mais que se sabe sobre o novo livro, e é bom alinhar as expectativas, não há nada de didatismo, autoajuda, resiliências, pactos de empatia, conversões exotéricas, promessas espirituais, cartilhas veganas ou confissões pré-quedas de avião. Rita não abandona a si mesma nem em situações-limite, aquelas que colocam a coerência da vida que levamos à prova.
MÚSICA INÉDITA. Além do livro, Rita sentiu um grande prazer ao compor e gravar com o marido, guitarrista e pianista, uma música para um álbum coletivo que vai homenagear Elza Soares. A criação se deu pouco antes da morte de Elza, em janeiro de 2022, quando a roqueira vivia ainda sob o primeiro diagnóstico. A canção se chama Rainha Africana, e não se trata de um rock and roll.
No mais, ela segue em silêncio e dizendo não aos pedidos de entrevista, sob o argumento de que tudo o que teria para falar já foi dito não mais em uma, mas em – e este é o único caso de um artista no mundo que tenha – duas autobiografias. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>