Estadão

Com foco na Selic, Ibovespa cai 2,29%, abaixo de 98 mil

Após ter estacionado no nível de 100 mil pontos nas três sessões anteriores, o Ibovespa tomou o elevador e desceu quatro andares, em sentido contrário ao de Nova York nesta quinta-feira, 23, tocando no pior momento os 96 mil pontos, a 96.996,84 (-3,22%), em patamar não visto no intradia desde 19 de julho passado (96.917,30). Ao fim, a referência da B3 mostrava hoje queda de 2,29%, aos 97.926,34 pontos, saindo de máxima aos 101.125,76 e de abertura a 100.221,10.

Um pouco menos moderado, o giro foi a R$ 25,7 bilhões nesta quinta-feira pós-Copom, de sinal ainda duro, mais do que o previsto, sobre a orientação da política monetária, sem cortes da Selic de 13,75% à vista do BC. Assim, o Ibovespa fechou hoje no menor nível desde 18 de julho, então aos 96.916,13 pontos. Em porcentual, foi a maior perda para o índice da B3 desde o tombo de 3,06% na abertura do ano, no dia 2 de janeiro.

Sem qualquer estímulo ao apetite por risco, o Ibovespa passou a tarde renovando mínimas, sem exceções entre as ações de maior peso no índice – e buscando novos pisos à medida que os índices de NY foram perdendo força, com Dow Jones e S&P 500 levemente em baixa em parte da tarde, mas não no fechamento (ao fim, Dow Jones +0,23%, S&P 500 +0,30% e Nasdaq +1,01%).

Aqui, as ações de commodities embicaram para baixo (Vale ON -2,57%, Petrobras ON -1,96% e PN -2,27%), em sessão negativa também para os preços do minério e do petróleo, enquanto as perdas entre as ações de grandes bancos chegaram a 3,46% (Bradesco PN) no encerramento da sessão, afetadas em bloco por temores quanto ao risco de elevação da inadimplência nos futuros resultados das instituições financeiras, em cenário de juros muito altos.

"A manutenção da Selic ontem à noite já era esperada, mas o que causou aversão a risco hoje foi o comunicado, o tom mais conservador do Copom, na medida em que havia certo otimismo: uma expectativa de que o BC poderia dar indicação quanto à possibilidade de antecipar o ciclo de redução da taxa de juros, até pelos problemas no sistema bancário dos Estados Unidos, que resultaram em tom mais leve na comunicação do Federal Reserve, ontem, na decisão sobre juros por lá", observa Paulo Luives, especialista da Valor Investimentos, destacando a queda nas empresas de varejo e do setor de saúde na B3, sensíveis aos juros elevados que ainda persistem no cenário.

Na ponta perdedora do Ibovespa nesta quinta-feira, Magazine Luiza (-13,37%) e Gol (-10,08%), com Embraer (+1,78%) e Minerva (+1,33%) no canto oposto. Em certo momento da tarde, apenas quatro ações da carteira teórica conseguiam escapar de perdas na sessão, mas ao final 12 mostravam alta nesta quinta-feira.

"O Ibovespa derreteu com o comunicado do Copom. A referência ao arcabouço fiscal no balanço de riscos foi leve – arcabouço que por sinal ainda não saiu. Houve também referências à crise bancária lá fora e às dificuldades de crédito, aqui, mas de forma não tão relevante nas considerações do BC. O mais relevante foram as observações sobre o nível de inflação e a aceleração do núcleo, que continua aquecido", diz Alan Dias Pimentel, especialista em renda variável da Blue3 Investimentos. "O BC deixou bem claro que vai perseguir a meta e que vai manter a estratégia, para fazer com que a inflação convirja à meta", acrescenta.

Para o ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC Tony Volpon, que já ocupou posições em instituições financeiras como Nomura e UBS, faltou "visão de jogo" aos diretores do Banco Central, em percepção "estreita" do cenário econômico, ao justificarem a decisão do Copom. Algum alívio no nível de contração poderia ter sido sinalizado para as próximas reuniões do comitê de política monetária em função dos sinais de crise de crédito, avalia Volpon, conforme relato do jornalista Vinicius Neder, do Broadcast no Rio de Janeiro.

Desde ontem à noite, o governo tem se posicionado contra o tom ainda mais firme adotado pelo Copom, sob fogo cerrado praticamente desde o início do terceiro mandato do presidente Lula, que resiste à ideia de autonomia do BC e sugere que Roberto Campos Neto, presidente da autarquia, tem independência questionável por sinais de simpatia à administração anterior. Do ministro Fernando Haddad (Fazenda) à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o governo reagiu rapidamente ao tom do comunicado da quarta-feira.

Hoje, o presidente Lula disse que a decisão do BC, sem "explicação nenhuma no mundo", será julgada pela História. E sugeriu que o Senado precisa "cuidar" de Campos Neto – o que pode ser interpretado, no limite, como referência velada a uma das atribuições de senadores, a de votar pelo afastamento inclusive de autoridade monetária, caso entendam que não está cumprindo seu papel.

"Não tem explicação nenhuma no mundo a taxa de juros estar a 13,75% ao ano. Quem tem que cuidar do Campos Neto é o Senado, que o indicou. Ele não foi eleito pelo povo. Não foi indicado pelo presidente. Foi indicado pelo Senado", disse Lula.

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