A partir do dia 1.º de abril, a nova lei de licitações para União, Estados e municípios entra em vigor em definitivo, mas muitos administradores públicos não se prepararam para a mudança e vão enfrentar sérios problemas para fazer as novas contratações. O problema é maior nas prefeituras, que querem prorrogar o prazo. Para isso, seria preciso aprovar uma lei ou negociar com o governo Lula a edição de uma medida provisória (MP).
Concebida para reduzir a corrupção e aumentar a eficiência na gestão pública, a lei de licitações foi sancionada em 2021 e estabeleceu um prazo de transição de dois anos. Nesse período, os órgãos públicos de todo o País tiveram a opção de escolher usar três leis antigas nas contratações, entre elas a mais importante e famosa, a Lei 8.666, em vigor desde 1993.
<b>Reação</b>
A poucos dias para o fim do prazo, ainda há dúvidas sobre a adoção da lei, sobretudo nos municípios menores, que não se capacitaram para aplicar as novas regras. A Confederação Nacional de Municípios (CNM), que espera reunir mais de 10 mil participantes na 24.ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, de segunda a quinta-feira da semana que vem, buscará a prorrogação do prazo até o fim do ano. "A grande verdade é que não só os municípios, mas todos, inclusive as empresas, não conhecem bem a lei", diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Segundo ele, alguns Estados – "assim como o terceiro setor" – também não estão ainda estruturados para aplicar a lei corretamente.
Marçal Justen Filho, sócio do escritório de advogados Justen, Pereira Oliveira e Talamini – e um dos juristas que acompanharam as negociações da lei -, afirma que "uma parte grande da administração pública, simplesmente, ignorou a existência dessa lei, porque era facultada essa alternativa, e a administração da maior parte dos lugares do Brasil, especialmente os municípios, não se preocupou". Justen diz que pode ocorrer um "choque" para esses gestores a partir de agora, porque a nova lei contempla exigências e controles muito mais minuciosos. Segundo ele, a nova lei é muito mais completa e moderna, mas vai exigir uma espécie de revolução da administração pública (leia mais no quadro ao lado).
Na sua avaliação, a reforma administrativa, na prática, começará com a aplicação da nova lei de licitações, porque ela estabelece mecanismo de governança pública destinado a reduzir o risco de decisões defeituosas, seja por corrupção, seja por problemas de planejamento.
A lei prevê, por exemplo, a exigência de um plano de contratações anual. União, Estados e municípios terão de fazer antes do início do ano um planejamento com todas as contratações que vão ocorrer no ano seguinte. Esse planejamento deve ter informações muito detalhadas sobre as suas necessidades – o que já foi contratado e o que se pretende contratar.
A autoridade mais alta na hierarquia no processo de contratação tem o dever, sob pena de ser responsabilizada, de estabelecer mecanismos para reduzir o risco de falhas, defeitos e corrupção. Quem faz o planejamento das contratações não pode ser quem faz a licitação. Quem faz a licitação não pode ser quem contrata, e quem contrata não pode ser o fiscalizador. A designação dos agentes que trabalham na área deve ser motivada, e eles têm de ter treinamento.
<b>Digital</b>
Entre os novos pontos da lei, está o acesso digital, que deve agilizar o processo das contratações e reduzir o uso de papel. Todas as contratações passarão a ser feitas, basicamente, por via digital, pela internet. "A Lei 8.666 é a lei do papel, e esta nova lei é a da internet, digital", diz o jurista. O controle da execução, especialmente de obras públicas, deve ser feito acompanhado por programas que permitam fiscalização a distância. Ou seja, em tempo real, para que qualquer pessoa possa saber o que está acontecendo na execução de uma obra em qualquer lugar do Brasil.
Justen destaca também que uma regra da nova lei estabelece que a anulação do contrato só poderá ser determinada após avaliação dos efeitos que a medida pode acarretar para a sociedade, como o atraso da conclusão de obras importantes, para evitar a paralisação, mesmo que haja a punição dos responsáveis. "Essa é uma inovação para acabar com obras paradas", diz.
<b>Se houver apagão em compras, é pela inércia de gestores, diz TCU</b>
O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas, disse ao <b>Estadão</b> que, se houver risco de apagão nas compras governamentais com a entrada em vigor da nova lei de licitação, será fruto de "inércia" de gestores públicos que não conduziram adequadamente seus procedimentos para a mudança na legislação.
A nova lei das licitações, sancionada em 2021, entrará em vigor no dia 1.º de abril, após um período de dois anos para que União, Estados e municípios se preparassem. "O que significa dizer que houve tempo razoável para a transição, ou seja, o prazo para adequação não se inicia agora em abril", afirmou.
Dantas ressaltou que a nova lei ajudará a combater a corrupção e a garantir o bom andamento dos contratos. "As fragilidades estarão mais expostas e acessíveis. Isso vale para obras, fornecimentos ou qualquer tipo de serviço", disse.
Ele ponderou que quase todos os Estados e os órgãos federais possuem regulamentos editados que podem servir de referência para as regras municipais.
Para os processos em andamento com base na legislação anterior, haverá nove meses para finalizar o procedimento licitatório, tempo considerado pelo TCU "bastante razoável". Qualquer procedimento licitatório iniciado a partir de abril deverá seguir a nova lei. "As contratações não estarão desamparadas porque há uma lei que as rege. Ainda que as regulamentações necessárias não tenham sido editadas, o que pode ser objeto de apontamento pelos órgãos de controle, os gestores terão de realizar suas licitações e prover os serviços e os fornecimentos necessários ao adequado funcionamento das atividades estatais", disse.
A nova lei incorporou mecanismos de governança há muito defendidos pelos órgãos de controle, como gestão de riscos, controles internos, planejamento, valorização, qualificação dos agentes públicos envolvidos com as contratações e segregação de funções. Todos sob a responsabilidade da alta administração dos órgãos e entidades.
Para o TCU, a lei traz novidades que ampliam a transparência e as possibilidades para o exercício do controle social.
É o caso do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), plataforma que oferecerá, de forma centralizada, os principais documentos administrativos relacionados às contratações do setor público.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>