O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) irá depor à Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira, 5, a partir das 14h, para prestar esclarecimentos sobre o escândalo das joias árabes, revelado pelo <b>Estadão</b> no início de março. O depoimento será presencial, em Brasília. Também será ouvido pela PF, na quinta-feira, 6, o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.
Em 2021, o governo Bolsonaro tentou entrar ilegalmente no Brasil com um conjunto de colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em 3 milhões de euros, o equivalente a R$ 16,5 milhões, da marca Chopard. Segundo declarações iniciais, tratava-se supostamente de um presente do governo da Arábia Saudita para o então presidente e para a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
O tenente da Marinha Marcos André Soeiro, ex-assessor de Bento Albuquerque, almirante de esquadra da Marinha que atuava como ministro de Minas e Energia, foi o responsável por tentar entrar com as joias no País, apreendidas no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
<b>Confira a linha do tempo do escândalo:
Outubro de 2021</b>
O então ministro de Minas e Energia do governo Bolsonaro, Bento Albuquerque, volta ao Brasil após representar o País em reunião de cúpula na Arábia Saudita. Ao chegar no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, o almirante de esquadra da Marinha e sua comitiva tentam passar ilegalmente pela alfândega com joias entregues pelo governo saudita. Na mochila do seu assessor Marcos André Soeiro estava uma caixa com um colar, relógio e outros itens de diamantes avaliados em R$ 16,5 milhões, e no qual foi apreendida pela Receita Federal.
No mesmo dia, ao saber que o pacote estava com os auditores da Receita, Albuquerque usa o cargo para tentar convencer os auditores da Receita a liberar o conteúdo. Ao <b>Estadão</b>, alegou que não tinha conhecimento do conteúdo que estava na caixa. Três dias após as tentativas frustradas de entrar com os diamantes, o então chefe de gabinete adjunto de Documentação Histórica do gabinete pessoal do presidente da República, Marcelo da Silva Vieira, envia um ofício para o chefe de gabinete do ministro de Minas e Energia, José Roberto Bueno Júnior, alegando que as joias seriam para incorporação ao "acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República".
<b>Novembro de 2021</b>
Bolsonaro aciona o Ministério das Relações Exteriores, que pede à Receita Federal para que tome "providências necessárias para liberação dos bens retidos". O órgão mantém firme a negativa de devolução do pacote e o governo decide mudar a versão e dizer que as joias eram para o acervo da Presidência, sem especificar qual. Em resposta, a Receita volta a informar que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devido.
<b>Dezembro de 2022</b>
Um ano após a tentativa de entrada ilegal no País, o então secretário da Receita Federal, Julio Cesar Viera Gomes, encaminha um ofício para a área de alfândega em São Paulo e solicita a liberação do pacote. Os servidores do órgão, que possuem autonomia, reiteram seu posicionamento e afirmam que as joias só seriam liberadas mediante pagamento do imposto.
O <b>Estadão</b> apurou que Gomes pressionou servidores de diversos departamentos, por meio de mensagens de texto enviadas por aplicativos como WhatsApp, gravou áudios, fez telefonemas e encaminhou e-mails sobre o assunto.
Antes de deixar o País rumo aos Estados Unidos, o próprio presidente entra em ação e envia um ofício ao gabinete da Receita Federal para solicitar que as pedras preciosas fossem destinadas à Presidência da República, em atendimento ao ofício da "Ajudância de Ordens do Gabinete Pessoal do Presidente da República". O pedido é, mais uma vez, negado.
Faltando dois dias para terminar o mandato, Bolsonaro determina que um funcionário do governo, o primeiro-sargento da Marinha, Jairo Moreira da Silva, pegue um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) e desembarque no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. O pedido foi feito pelo chefe da Ajudância, à época o tenente-coronel Mauro Cid, braço direito e pessoa de confiança de Bolsonaro.
<b>Segundo pacote</b>
Após desembarcar em São Paulo e não conseguir voltar à Brasília com o primeiro pacote, Albuquerque entrega pessoalmente ao ex-presidente Jair Bolsonaro o segundo pacote de joias, que não passou pela alfândega. O estojo continha relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard. O site da loja vende peças similares que juntas somam, no mínimo, R$ 400 mil.
Segundo revelou Mauro Cid ao <b>Estadão</b>, o estojo está com Bolsonaro no "acervo privado" dele. A entrada das peças no Brasil sem declarar à Receita e a apropriação pelo presidente estão irregulares. O entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) é que os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de "caráter personalíssimo", como roupas e perfumes.
<b>Terceiro pacote</b>
Apuração do <b>Estadão</b> descobriu que Jair Bolsonaro, ao terminar o mandato em 2022, levou consigo um terceiro pacote de joias que inclui um relógio da marca Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes, uma caneta da marca Chopard prateada, com pedras incrustadas, um par de abotoaduras em ouro branco, com um brilhante cravejado no centro e outros diamantes ao redor.
Compõe o conjunto, ainda, um anel em ouro branco com um diamante no centro e outros em forma de "baguette" ao redor, uma masbaha, feita de ouro branco e com pingentes cravejados em brilhantes. Ao todo, a terceira caixa de presentes está estimada em mais de R$ 500 mil.
A reportagem apurou também que este conjunto de joias, diferentemente das outras duas caixas enviadas a Bolsonaro, foi recebido em mãos pelo próprio ex-presidente, quando esteve com sua comitiva em viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riad, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019.
A guarda dessas joias permaneceria no acervo privado de Bolsonaro por mais de um ano e meio, até que, já no ano passado, o então presidente daria novas ordens, desta vez para ter o conjunto, fisicamente, em suas mãos. Isso ocorreu no dia 6 de junho de 2022. Nesta data, foi registrado pelo sistema da Presidência que os itens foram "encaminhados ao gabinete do presidente Jair Bolsonaro". Dois dias depois, em 8 de junho, conforme os registros oficiais, as joias já se encontravam "sob a guarda do Presidente da República".
<b>Joias escondidas</b>
O ex-presidente Jair Bolsonaro escolheu a fazenda de Nelson Piquet, ex-piloto de Fórmula 1, para guardar suas caixas de presentes recebidos durante seu mandato, como as joias de diamantes, não declaradas à Receita Federal e que não foram entregues à União. O <b>Estadão</b> apurou que dezenas de caixas com pertences foram despachadas para uma propriedade localizada no Lago Sul, uma das regiões mais nobres de Brasília.
<b>Entrega dos kits</b>
Seguindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno entregou, no dia 24 de março em uma agência da Caixa, em Brasília, o segundo conjunto de joias recebido ilegalmente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Cinco dias depois, no dia 29 de março, o TCU determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro devolva, imediatamente, a terceira caixa de joias que ele recebeu do regime da Arábia Saudita e que guardou para si. Além de determinar a devolução dos itens, o TCU alertou Bolsonaro sobre a omissão de informações relacionadas aos presentes que recebeu do regime saudita.
Um dia antes do depoimento marcado na Polícia Federa, a defesa do ex-presidente entregou à Caixa Econômica Federal, nesta terça-feira, 4, o terceiro kit de joias presenteadas pelo regime da Arábia Saudita. A entrega do estojo foi determinada pelo TCU.
A devolução das joias foi informada pelo ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) e atual assessor de Bolsonaro, Fábio Wajngarten, em sua conta oficial no Twitter. "A entrega reitera o compromisso da defesa do presidente Bolsonaro de devolver todos os presentes que o TCU solicitar, cumprindo a orientação do ex-mandatário do país, que sempre respeitou a legislação em vigor sobre o assunto". escreveu.