Quando assistiu à primeira montagem da peça A Cerimônia do Adeus, em 1987, no Rio, o diretor Ulysses Cruz confessa que torceu o nariz. "Uma versão naturalista de um texto que permite voos em cena", justificou ele, que dirigiu a sua própria em 1989, no Teatro Anchieta, em São Paulo. Pois é justamente nesse espaço que Cruz volta ao texto de Mauro Rasi e estreia neste sábado, 8, um novo olhar para o texto.
"Depois de 34 anos daquela primeira montagem, agora valorizei ainda mais o trabalho dos atores porque o encanto do teatro está na representação", diz ele, que se apoiou na tradição da comédia de costumes para contar a tragicômica história criada por Mauro Rasi em 1987. "É um texto com diálogos dinâmicos, que pode ser fragmentado, sem grande preocupação com tempo e espaço."
Com esse raciocínio, Cruz criou um cenário formado basicamente por quatro portas que necessariamente não dão acesso ao mesmo lugar, além de banquinhos e, claro, pilhas de livros. "O texto, como todos de Mauro, trata de memória, portanto é atemporal. O conceito de metaverso, ou seja, a existência de vários mundos virtuais que convivem com o nosso real, também se encaixa na narrativa, que dá saltos no tempo. E a trilha original de André Abujamra é quase um personagem."
Considerada uma das principais peças de Mauro Rasi (1949-2003), A Cerimônia do Adeus já revela uma das qualidades dramatúrgicas do autor: o personagem principal é o filho, que se revolta com sua família enquanto ainda vive dentro dela, mas que também busca se reconciliar com o passado, a partir do momento em que a deixa para trás.
<b>Ilusão</b>
É o caso do jovem e revolucionário Juliano (alter ego do autor, vivido por Lucas Lentini) que, refugiado em seu quarto, só se sente bem ao dar vida às suas maiores referências literárias: os existencialistas Jean-Paul Sartre (Eucir de Souza) e Simone de Beauvoir (Beth Goulart). Com a ajuda deles, Juliano cria a ilusão da realidade possível para enfrentar o rito de passagem para a vida adulta enquanto mantém atrito constante com a mãe Aspázia (Malu Galli) e a tia espírita Brunilde (Olívia Araújo). Há ainda a dubiedade sexual que marca sua relação com o primo Lourenço (Rafael de Bona) e o melhor amigo Francisco (Fernando Moscardi). Como pano de fundo, a mão pesada do regime militar.
"São vários universos que convivem: o quarto, a casa, a cidade e o país", observa Beth, precisa no gestual elegante de Simone. "E o que desponta é o desejo de romper com o provincianismo da cidade onde ele vive, que sufoca seu talento artístico", completa Elcir. A presença do casal de escritores é mágica, especialmente quando são personificados como seus principais livros – A Cerimônia do Adeus, aliás, é o título da obra em que Simone narra as últimas experiências de Sartre.
"O ritmo às vezes frenético da encenação serve para demonstrar o fluxo de memórias que passam na cabeça de Juliano – é como se, no futuro, ele se lembrasse daquele tempo", observa Lentini, que capitaneou a produção, começando pela escolha do elenco. Primeira atriz convidada, Malu Galli tem marcante presença como a mãe dominadora. "O amor dela é tamanho que não consegue nem conversar com o filho."
"É o tradicional conflito de gerações", completa Olívia, cujo papel enfrenta o mesmo dilema. "Com seus problemas, Lourenço modifica a vida de Juliano", diz Bona. "O mesmo acontece com a ingenuidade de Francisco e seu amor verdadeiro", observa Moscardi.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>