Estadão

Lula muda o tom e condena invasão da Ucrânia após cobranças dos EUA e da Europa

Ainda sem citar nominalmente a Rússia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta terça-feira, dia 18, que o Brasil "condena" violação territorial da Ucrânia. Lula sofreu forte pressão e cobrança internacional, nos Estados Unidos e na Europa, para que se posicione explicitamente sobre a guerra e aumente o tom contra Moscou.

"Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociada para o conflito", afirmou Lula nesta terça-feira, 18.

A declaração foi dada por Lula durante um almoço no Itamaraty com o presidente da Romênia, Klaus Iohannis, país vizinho à Ucrânia que sofre diretamente as consequências humanitárias e econômicas da guerra de agressão unilateral, deflagrada em 24 de fevereiro de 2022 por Vladimir Putin. A fronteira entre os países no Leste Europeu tem cerca de 600 quilômetros. Até mesmo cidadãos brasileiros que viviam na Ucrânia escaparam da guerra por meio de gestões consulares e diplomáticas com auxílio da Romênia.

Nesta terça, Lula mudou o tom e falou de forma mais protocolar, lendo um discurso previamente escrito. O texto foi elaborado pela assessoria de Lula no Palácio do Planalto, diante da sensibilidade do momento. O presidente percebeu a ampla reação negativa no exterior.

Um embaixador ouvido pela reportagem disse que Lula "voltou ao eixo" da posição manifestada por seu próprio governo no diálogo internacional. O Brasil condenou a violação territorial na Ucrânia, se opôs a sanções contra Moscou e propôs a montagem de uma comissão negociadora, popularmente chamada de "clube da paz".

Lula se disse preocupado com as consequências globais do enfrentamento, como a escassez energética e de alimentos. Ele afirmou ser urgente criar um grupo de países que levem à mesa Rússia e Ucrânia para selar a paz, mas não deu tanta ênfase à proposta como antes. Foi o último tópico de seu discurso.

Nos últimos dias, as declarações de Lula em entrevistas foram duramente criticadas por democracias ocidentais, durante sua passagem pela China e pelos Emirados Árabes. O Itamaraty avalia que foram ruídos retóricos, que podem ocorrer, mas foram pontos fora da curva na trajetória brasileira até agora ao tratar da guerra, mas não comprometem a proposta brasileira, nem provocarão isolamento.

O presidente apontou uma ideia de equivalência de responsabilidades sobre a guerra entre Volodimir Zelenski e Vladimir Putin e o que considera ser um incentivo à continuidade do enfrentamento militar, por parte dos EUA e da União Europeia, que enviaram armamentos para defesa ucraniana.

Washington e Bruxelas reagiram e disseram que Lula repetia propaganda favorável aos russos e fragilizara sua condição de mediador ao adotar um discurso que tem lado. O governo Joe Biden espera explicações do Itamaraty e do Palácio do Planalto. Sobretudo depois de Lula receber com distinção em Brasília o chanceler russo, Sergei Lavrov, enviado por Vladimir Putin. Na ocasião, Lavrov afirmou, sem ter ser contestado pela diplomacia brasileira, que Brasil e Rússia partilham da mesma visão sobre o conflito bélico.

Ao longo do discurso, Lula reafirmou sua disposição em ver o acordo comercial UE-Mercosul aprovado e citou a possibilidade de o Brasil ampliar o fluxo de comércio e investimentos com a Romênia em áreas como defesa e agricultura, com a participação da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

A guerra foi um dos temas mais abordados por Lula e pela imprensa internacional durante a viagem do petista à Ásia, na semana passada. No final da visita, já em Abu Dhabi, o presidente afirmou que a responsabilidade pela invasão russa na Ucrânia é tanto de Moscou quanto de Kiev. "A decisão da guerra foi tomada por dois países", disse em entrevista coletiva antes de deixar os Emirados Árabes.

Em janeiro, durante visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao Brasil, Lula chegou a dizer que a Rússia estava errada em invadir o país vizinho, mas também sinalizou para culpa na própria Ucrânia. "Continuo achando que quando um não quer, dois não brigam", afirmou. Em maio de 2022, ele também declarou que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski seria "tão culpado quanto o (Vladimir) Putin", presidente russo, pelo conflito.

O presidente romeno adotou uma postura contundente diante de Lula. Iohannis chamou o conflito de uma "guerra de agressão lançada pela Rússia contra a Ucrânia" – termos que não são adotados pelo Brasil – e afirmou que a comunidade internacional tem o dever de defender a vítima e ajudar a repelir a ofensiva militar. Segundo ele, Romênia será "implacável" no apoio à Ucrânia.

"A mensagem da Romênia, como Estado vizinho e com a maior fronteira entre os Estados da União Europeia e da OTAN com a Ucrânia, é clara, forte e deve ser compreendida por nossos parceiros: por mais que Moscou tente justificar suas ações, a Rússia é um Estado agressor, que violou à força a soberania territorial da Ucrânia e tentou anular sua independência", disse o presidente romeno, durante o almoço com Lula. "A Ucrânia é vítima da agressão russa. Todos os efeitos negativos dessa agressão global são consequência direta de sua ação, contrária ao direito internacional. A comunidade internacional tem o dever de apoiar a Ucrânia para repelir a agressão e vencer esta guerra para libertar o país."

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