Era para ser um grande evento público, com participação de mais de 3 mil inscritos de 100 países diferentes para debater, em Assis, na Itália, os rumos da economia atual. Mas veio a pandemia e o encontro, com palestras de prêmios Nobel, acadêmicos e líderes empresariais convocados pelo papa Francisco, contudo, foi prorrogado de março para novembro. E agora, com a covid-19 ainda em estágio preocupante, ocorrerá online, entre os dias 19 e 21.
Apelidado de "a Davos do papa" – em alusão ao mais importante fórum econômico mundial -, o encontro mobiliza principalmente jovens católicos. No Brasil, eventos preparatórios começaram há um ano. "Mais importante do que o próprio evento, é a amplitude das discussões pelo mundo afora", afirma o economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Para ele, o atual contexto mundial "é eticamente vergonhoso". "Não foram os pobres que criaram esta desigualdade. O mundo produz o equivalente a 85 trilhões de dólares de bens serviços ao ano, o que dividido pela população mundial daria R$ 15 mil por mês por família de quatro pessoas", afirma Dowbor. "Uma desigualdade um pouco mais moderada poderia assegurar a todos uma vida digna e confortável."
Integrante da Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Frades Capuchinhos do Brasil, frei Marcelo Toyansk Guimarães destaca a importância dos vários encontros realizados no País como preparação para o evento, nos quais se discutiu o tema a partir da realidade brasileira. "Houve um grande encontro na PUC e isso tem se replicado em cidades como Campinas, Piracicaba, Belo Horizonte, Marília, Porto Alegre e muitas outras."
Para o sociólogo Eduardo Brasileiro, que atua no coletivo Igreja Povo de Deus em Movimento e trabalha com educação popular e mobilizou os jovens brasileiros, o evento não se encerra em Assis. "Aguardamos ansiosos o evento. Acreditamos que mais do que Assis nos pautar, nós pautaremos Assis com iniciativas reflexivas, de organização social e de mudança de paradigma."
<b>Nova economia</b>
Mas o que é, afinal, essa "nova economia" proposta por Francisco? "É uma provocação para um mundo em ruínas", diz Brasileiro. "O encontro convocado pelo papa deve olhar para o avançar da concentração de renda nas mãos de poucos e a miséria crescendo em vários países."
Já o vaticanista brasileiro Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, define a proposta como um contraponto ao pensamento dominante da economia mundial. "Não é uma ruptura à economia capitalista, mas a defesa de uma economia não tão focada no crescimento econômico e sim na melhor distribuição de renda, no social, no que é melhor para as pessoas."
Domingues lembra que criticar problemas mundanos não é uma novidade de Francisco. Leão XIII (1810-1903), em sua encíclica Rerum Novarum, discutiu as agruras do operariado pós-Revolução Industrial, Paulo VI (1897-1978) demonstrou preocupação com o avanço da globalização, João Paulo II (1920-2005) defendeu o direito ao trabalho e Bento XVI criticou o fato de que a técnica está se sobrepondo ao ser humano.
"Há uma doutrina social da Igreja. Mas Francisco chega com uma crítica mais forte e mais objetiva. Ele fala que a economia tal como está é uma economia que mata", explica Domingues. "Antes, nenhum papa havia falado desta forma. Francisco aponta que a economia justa é aquela que dá terra, casa e trabalho para todo mundo. E isso não é uma crítica vazia. Ele diz que do jeito que está o mundo não vai mais funcionar. Para o papa, a gente pode e é capaz de ter um sistema mais justo."
<b>Personalidades</b>
Entre os participantes do evento, há nomes de peso como o economista e banqueiro bengali Muhammad Yunus, Nobel em 2006, o economista norte-americano Jeffrey Sachs, a ativista e ambientalista indiana Vandana Shiva, o sociólogo, ativista e escritor italiano Carlo Petrini e Pauline Effa, que atua no Fórum Internacional Social e de Economia Solidária.
"Nutro a esperança de que o evento seja o começo de uma jornada que, por mais trabalhosa e complexa que seja, valha a pena iniciar, que dela advenha um autêntico projeto de transformação – não apenas reformista – da ordem social atual", afirmou ao <b>Estadão</b> o economista italiano Stefano Zamagni, que está entre os palestrantes. "Progredimos com as raízes que desenvolvemos. E, para tal empreendimento, as raízes são profundas e muito vigorosas."
<b>Meio ambiente</b>
Em sua carta de apresentação, Francisco lembrou que o encontro não deve ser simplesmente católico. "Ele convocou todas as pessoas, mesmo aquelas que não têm o dom da fé", diz frei Guimarães.
As discussões devem trazer à tona problemas ambientais, tema caro ao papado de Francisco. "Estamos em um cenário de colapso ambiental e humano. Os primeiros prejudicados são os mais pobres", prossegue Guimarães. "O papa visa à sobrevivência da humanidade. Não há outro caminho, senão o cuidado com a casa comum, que hoje vem sendo atropelada."
Outro dos palestrantes confirmados, o economista Bruno Frey, professor da Universidade da Basileia, aponta as direções que seu pronunciamento deve tomar. "A crise climática é apenas um dos muitos desafios. Há ainda as questões de guerras, mobilidade, refugiados, pandemia", diz. "O importante é que a geração mais jovem apareça com ideias criativas para lidar com esses problemas de maneira humana." Mais: www.francescoeconomy.org
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>