Especialista em tributação que tem acompanhado com lupa as propostas de reforma tributária no Brasil e no mundo, o economista do Ipea, Rodrigo Orair, afirma que o Brasil não pode perder a janela de oportunidade histórica para aprovar a simplificação em bloco. "Mais importante do que a regra de transição, que vai ser calibrada no Congresso, o ideal é que se legisle em bloco". Diz.
Contrário à volta da CPMF, ele recomenda o Brasil seguir o mesmo caminho do restante do mundo para reduzir os tributos cobrados das empresas sobre os salários dos empregados: tributar o consumo ou a renda. "Governos conservadores estão indo para bens e serviços e progressistas para a renda da pessoa física". A primeira alternativa onera a população de maneira mais ampla e a outra concentra o ônus no topo da pirâmide.
<b>O que a proposta do ministro da Economia muda no cenário da reforma tributária?
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Pelo menos se criou o consenso de que as três propostas (Câmara, Senado e governo) acham que o caminho é de um IVA (imposto sobre valor agregado) moderno. Se esse é o ponto de chegada, Podemos ter a implantação gradual, não precisa ser tudo de uma vez.
<b>O que significa fatiar? Fazer primeiro a do governo federal?
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Fazer a parte do governo federal (unificação do PIS/Cofins), depois tentar os Estados e depois os municípios. O ideal seria fazer tudo de uma vez só. É difícil. Então, ou se faz uma regra de transição ou se faz em partes. As duas propostas que estão no Congresso tocam em todo o sistema (federal, Estados e municípios) com um implementação longa. A do governo diz que não vai mexer com Estados e municípios. Há um problema técnico de estratégia com declarações que dão a entender que isso vai ocorrer de maneira voluntária.
<b>Qual o risco de insistir com o projeto do PIS/Cofins primeiro?
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A alíquota de 12% prevista assusta muito, gera reações. A PEC 45 (proposta da Câmara) tem um mecanismo que impede aumento da carga e que vai ser controlado pelo Senado e TCU de garantir que vai ser neutra. As propostas que estão no Congresso têm como princípio a neutralidade da carga tributária. Não vai aumentar e nem reduzir. Agora, ela afeta setorialmente porque sai de um modelo que tributa de maneira muito diferenciada os bens e serviços, uns pagam demais e outros muito pouco, e passaria a tributar de maneira mais homogênea todos eles.
<b>Mas muitos setores se sentem prejudicados.
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Existem setores prejudicados, mas tem sim muita gente que está defendendo beneficio fiscais e que acaba canalizando a insatisfação de outras para defender o seu status quo. A proposta do governo afirma na exposição que é neutra, mas não há garantia. Lembro que a reforma de 2003 do PIS/Cofins que tinha argumento de neutralidade e no final gerou um ganho arrecadatório de 1,1% do PIB. Estimativas de carga neutra apontam um valor abaixo de 12% (da alíquota prevista para o novo tributo que funde PIS/Cofins), mais perto de 10%. Mas não duvidaria que o governo arredondou um pouco para cima até para negociar.
<b>Deveria haver mais alíquotas como defende o setor de serviços?
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Do ponto de vista técnico, não, porque facilita muito a operacionalidade do sistema.
<b>O relator Aguinaldo Ribeiro está na direção certa em buscar uma reforma ampla?
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Sem dúvida nenhuma. O momento está pedindo isso. Seria perder uma janela de oportunidade. O ônus político de fazer tudo fatiado ou de fazer de uma vez só não necessariamente é menor. O Canadá, quando fez a reforma no final dos anos 80, trocou um imposto parecido com o IPI (imposto sobre produtos industrializados) pelo IVA. O problema é que IVA é muito transparente na nota fiscal e fica no produto, no restaurante, está explícito. Mesmo promovendo uma reforma neutra, gerou lá a perspectiva para a população que teria havido aumento de imposto. Foi mal recebida. Tanto é assim que o governo conservador canadense teve um péssimo desempenho nas eleições logo em seguida.
<b>A transparência é então um problema político?
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Imagina fazer uma reforma com alíquota de 12%, que é transparente, mas tem efeito colateral, que é a sua impopularidade. Juntando com o de Estados e municípios, a alíquota (do IVA nacional) seria de 29% sobre bens e serviços no Brasil. A maior dos países da OCDE é a da Hungria, de 27%. Nos países escandinavos (Noruega, Suécia e Dinamarca), a alíquota fica perto de 25%.
<b>A volta do tema da CPMF embola a reforma?
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A impressão que dá é que o governo está deixando o lobby do setor serviços atuar dentro do Congresso.
<b>Vai sair a nova CPMF?
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Tem muita gente querendo propor. Essa estratégia de reforma do PIS/Cofins com perenização da CPMF vem sendo perseguida sistematicamente. Mas o que é a ideia da reforma? Resolver o problema da cumulatividade, a incidência em cascata. A CPMF é cumulativa. Com uma mão está se tirando a cumulatividade do sistema e com outra mão estaríamos devolvendo a cumulatividade e o caráter invisível da tributação. É um tributo ruim.
<b>Como fazer para desonerar a folha sem a CPMF?
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Faz igual o mundo inteiro fazendo. Temos hoje duas bases que estão erodindo, a de folha e do lucro das empresas. A do lucro por causa da dificuldade de tributar a economia digital na origem. A da folha é algo parecido porque está tendo novas modalidades de trabalho, contratos mais flexíveis, prestações de serviço, economia digital. Para onde que se está indo? Ou tributando no consumo ou a renda da pessoa física. Governos conservadores estão indo para bens e serviços e progressistas para a renda da pessoa física.
<b>De que forma?
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O primeiro onera a população de maneira mais ampla e o outro vai concentrar o ônus no topo. Podemos aumentar o IBS (imposto sobre bens e serviços) para desonerar a folha. O setor produtivo toparia e até mesmo o setor de serviços, que tem um potencial muito grande com quase 50% do PIB de base de incidência. Tributa o consumo com base ampla. Na tributação da renda, o ideal seria rever as várias isenções, incluindo lucros e dividendo, mas com cuidado para não se desalinhar das práticas internacionais.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>.