A inteligência artificial já marcou presença na música, no cinema, nos videogames e foi um dos motivos de greve em Hollywood. Agora, chega ao mercado literário brasileiro. Mas o lançamento de uma edição de<i> Alice no País das Maravilhas</i> pela editora Novo Século, ilustrada com o uso da IA, gerou polêmica. A descoberta foi de leitores, e a editora só admitiu que usou o recurso após muitas críticas nas redes.
Com o anúncio da nova versão do clássico livro – anunciada pela editora para o dia 7 de agosto como "edição de luxo", por R$ 59,90 -, as ilustrações logo chamaram a atenção dos internautas, que identificaram o uso de inteligência artificial nas imagens.
De acordo com a publicação feita por uma usuária do Twitter, detalhes como o formato das mãos, textura das roupas e da pele a fizeram identificar que as imagens tinham sido produzidas com o uso da IA, o que foi confirmado pela editora dois dias depois.
Os internautas criticaram a editora por dispensar a contratação de artistas profissionais e utilizar um programa de computador que é treinado com a combinação de trabalhos de diferentes artistas para produzir imagens. "Uma editora enorme e tradicional abrir mão de contratar artistas para usar IA no lugar só faz parecer que não tem problema nenhum em fazer isso", afirma a usuária, identificada como @daniellasalamao.
<b> ROUBO </b>
"Os artistas alegam que isso é um roubo, porque não deram autorização e o seu material foi utilizado para treinar a IA", avalia o especialista em inteligência artificial e professor na Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Diogo Cortiz.
Cortiz ressalta que, para alguns estudiosos, a utilização de arte para treinamento de IA não fere direitos autorais, uma vez que ela não copia, mas sim extrai padrões. "E eu fico no meio do caminho, acho que deveria ter uma forma de compensação para esses artistas."
Marina Garrido, crítica literária e editora associada da DarkLit Press, explica que a comunidade literária é contrária ao uso da IA neste caso. "Quem trabalha na área está revoltado com a inteligência artificial faz tempo, especialmente para criação das capas", pontua a editora. Ela ainda comenta que a revolta é maior em função do uso indevido de propriedade intelectual, já que as ferramentas são treinadas com banco de imagens de trabalhos de outros artistas.
Em declaração oficial divulgada no Instagram, a editora utiliza a própria obra "disruptiva" de Lewis Carroll para justificar o uso da inteligência artificial. De acordo com o comunicado, assim como Alice, a Novo Século tem "curiosidade pelo novo" e busca inovar e crescer. "A arte está mudando e, por mais que isso incomode, é necessário transpor as barreiras impostas pelo medo do novo", afirma a editora no post, respondido com mais centenas de críticas. O <b>Estadão</b> procurou a editora, que não quis falar mais sobre o assunto. O espaço segue em aberto.
Para o advogado especialista em Direito Digital Guilherme Celestino, não há proibição nem violação de propriedade intelectual quando a IA é usada nesses casos. Além disso, não é obrigatório que a editora indique no livro que as ilustrações foram criadas via inteligência artificial. Mas ele admite que é preciso regulamentar o uso desses recursos. "Como não há nenhum lugar falando que pode, nem falando que não pode, gera polêmica", afirma Celestino.
<b>DÚVIDAS LEGAIS</b>
"Não tem como você ter copyright da imagem. Assim, até como editora, é uma escolha que abre espaço para futuras questões legais, porque você não tem direitos sobre a imagem da inteligência artificial", comenta Garrido. Ela destaca que a imagem gerada para a capa do livro da Novo Século pode ser reproduzida indefinidamente. "Qualquer pessoa pode pegar aquela imagem e fazer caderno, caneca, blusa, e ganhar dinheiro com isso."
Apesar da facilidade que os usuários do Twitter tiveram para perceber que as ilustrações foram produzidas com inteligência artificial, Cortiz alerta que não existe uma ferramenta confiável para checar se uma imagem foi gerada ou não via IA. "É claro que as IAs hoje, principalmente ferramentas como o Midjourney, têm uma estética bem própria. Então, às vezes você bate o olho e imagina", explica o especialista.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>