Além das medidas para reforçar a arrecadação do governo, a equipe econômica tem um outro foco nesta retomada dos trabalhos do Congresso Nacional: a votação do chamado Marco das Garantias. O projeto foi apresentado pelo governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas acabou sendo abraçado pela atual gestão em meio à expectativa de que possa ajudar a reduzir o custo do crédito no País – e, assim, estimular o consumo e o crescimento econômico.
Entre as mudanças, o novo marco permitirá que imóveis sejam usados como garantia na contratação de mais de um financiamento, e também possibilita a retomada mais rápida do bem pelo credor em caso de inadimplência. "Hoje, a população toma muito crédito sem garantia, que é bem mais caro do que o com garantia", diz o secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto.
Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Marco das Garantias vai "revolucionar o crédito no Brasil", contribuindo para diminuir o chamado spread bancário – que é a diferença entre o juro que a instituição financeira paga para captar recursos e a taxa que cobra para emprestar aos clientes.
O texto também é visto como prioridade pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que se encontrou com Haddad em julho para tratar da pauta do segundo semestre, que inclui o novo marco. O projeto já tinha sido aprovado na Câmara, mas foi modificado pelo Senado às vésperas do recesso parlamentar, e agora terá de passar por uma segunda análise dos deputados.
<b>Efeito nos juros</b>
O marco de garantias é uma reivindicação antiga da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que classifica a inadimplência e a baixa taxa de recuperação dos bens como os principais motivos para o elevado spread do crédito.
Para Marcos Pinto, da Fazenda, os efeitos não devem demorar a aparecer: "Assim que o projeto for aprovado, já haverá uma mudança no patamar de juros para os veículos".
No caso dos imóveis, ele avalia que os bancos terão um período de adaptação, que projeta levar cerca de seis meses.
O secretário também destaca um projeto aprovado no Senado, e que já seguiu para sanção presidencial, que permite o uso de recursos de planos de previdência como garantia em operações de crédito.
"São exatamente os bens da maior parte da população brasileira: imóvel, carro e poupança, que hoje está alocada, em grande parte, nos fundos de previdência, que somam cerca de R$ 1 trilhão. Trata-se, portanto, de uma pequena revolução no crédito", diz o secretário Marcos Pinto.
<b>Mercado espera menor risco em operações de crédito</b>
Na avaliação de especialistas, o Marco de Garantias deve permitir que proprietários de bens, como imóveis ou veículos, tenham acesso a volumes maiores de crédito e a um custo menor do que conseguem hoje. Mas, se o risco cai para o banco, o consumidor deve tomar cuidado, pois, em caso de inadimplência, poderá ter o bem dado como garantia mais facilmente retomado pelo credor.
Dados do Banco Central mostram que o juro médio no financiamento imobiliário no País hoje é de 11,5% ao ano, enquanto que, no crédito pessoal, que não tem garantias, chega a 91,2% ao ano.
Com o novo marco, é possível que um mesmo imóvel seja usado como garantia em mais de um empréstimo, seja no mesmo banco ou em instituições diferentes. Pelas regras atuais, o imóvel fica "preso" a um único financiamento até a quitação. Será possível também obter lastro para diversos empréstimos.
Um imóvel de R$ 1 milhão já quitado, por exemplo, poderá ser usado como garantia em três empréstimos de R$ 330 mil, em três bancos diferentes, com objetivos distintos.
Pelo texto em discussão no Congresso, também será permitido oferecer um imóvel ainda não quitado como garantia em uma segunda operação de crédito para adquirir um bem ou pagar uma dívida mais cara.
<b>Veículos</b>
Outro pilar do novo marco é permitir que, em caso de inadimplência, o credor consiga recuperar mais rapidamente as garantias dadas pelo devedor. Um exemplo é a busca e apreensão extrajudicial de veículos, que hoje só pode ser feita por via judicial. Com as novas regras, poderá ser realizada via cartórios, com o auxílio dos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detran).
"A partir do momento em que a financeira deixa de receber o pagamento do crédito, ela tem de acionar advogados, entrar na Justiça e aguardar todos os trâmites legais. Nesse meio tempo, o veículo está se depreciando", explica Milad Kalume, diretor da consultoria automotiva Jato do Brasil. "As novas regras devem diminuir o tempo e a efetividade da retomada desse bem, impactando em um pilar do mercado automotivo, que é o custo do financiamento."
Ele pondera, porém, que um efeito mais expressivo no crédito de veículos dependerá ainda da queda da taxa básica de juros, a Selic – que nesta semana teve o primeiro corte em três anos, baixando para 13,25% ao ano.
Historicamente, diz o consultor, 70% das compras de veículos no País são realizadas por meio de financiamentos. Hoje, esse porcentual está ao redor de 40% devido, principalmente, ao atual patamar dos juros.
"Hoje, a indústria bancária só recupera 20% dos seus créditos (inadimplentes)", diz o presidente da Febraban, Isaac Sidney. "Portanto, quando se cria instrumentos mais céleres, como busca e apreensão extrajudicial de veículos, ou se maximiza as garantias, como mais de um empréstimo por imóvel, isso diminui o risco."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>