Os governadores dos Estados do Sul e Sudeste encaminharam, nesta quinta-feira, 2, ao Ministério da Economia uma proposta de prorrogação do prazo final de quitação de precatórios, de 31 de dezembro de 2024 para a mesma data do ano de 2030, e a suspensão do pagamento pecuniário pelos próximos 12 meses. A proposta gerou reação de especialistas, como Luiz Gustavo Cordeiro Gomes, presidente da Fundação de Estudos para o Desenvolvimento da Administração Pública (Fedap). Na sua avaliação, a medida poderá implicar no prolongamento das dívidas que se arrastam desde 2002 e concentram aproximadamente 200 mil credores, com mais de 60 anos. "Ou seja, a fila não vai andar, prejudicando especialmente os mais idosos", destaca.
Gomes ressalta, ainda, que o Estado de São Paulo, maior beneficiário da medida, não precisaria desse tipo de auxílio para o combate ao coronavírus, uma vez que desde 2015 (com a lei complementar 151), o Estado não utiliza recursos orçamentários para o pagamento dessas despesas, mas sim os recursos levantados dos depósitos judiciais administrados pelo Tribunal de Justiça do Estado.
Com um posicionamento contrário, o advogado e especialista em direito público Cristiano Vilela, sócio do escritório Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados diz que trata-se de uma medida emergencial, que tem de ser contextualizada no cenário atual de luta contra a covid-19. "Os Estados, neste momento, têm de buscar recursos disponíveis para mitigar os efeitos das medidas de isolamento na economia, no emprego, especialmente diante da inércia do governo federal. Nesse sentido, essa medida excepcional será valiosa para os Estados, especialmente aqueles que se utilizam de recursos orçamentários para o custeio de precatórios ".
Na linha de Gomes, o advogado Fernando Neisser, coordenador adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados, classifica como "oportunista e cruel" tal solução. Segundo ele, há muito tempo, União, Estados e municípios buscam custear parte de seus gastos com um verdadeiro empréstimo compulsório, representado pelos atrasos no pagamento de suas dívidas com terceiros, os chamados precatórios.
"Diante da grave crise que o mundo atravessa, governadores vêm propor a suspensão do pagamento de suas dívidas com cidadãos e empresas – o que tem o potencial de afetar ainda mais duramente as pessoas em situação de maior risco, uma vez que parte substancial destas dívidas são créditos alimentares de idosos", destaca.
Neisser sinaliza que a sugestão vai para um caminho inverso do ideal. "Mais ofensiva ainda é a sugestão de que a crise justifique adiar por mais seis anos o prazo final para quitação das dívidas. Nada aponta neste sentido. É preciso que o Congresso Nacional não ceda a tais pressões e saiba separar as medidas efetivamente necessárias para o esforço que o momento requer daquelas oportunistas e lesivas aos cidadãos".
Para o advogado Gustavo Viseu, sócio do escritório Viseu Advogados, a proposta dos governadores não surpreende. "Essa proposta de postergação do pagamento de precatórios não surpreende, dado o histórico de moratórias que tivemos nas últimas décadas. Temos clientes que aguardam receber suas indenizações desde os anos 80 e agora, mais uma vez, se veem na iminência de novo adiamento. É lamentável".
A opinião é compartilhada por Philippe Ambrosio Castro e Silva, sócio do escritório Giamundo Neto Advogados. "Tal proposta consiste mais uma moratória, dentre tantas que o Estado brasileiro já editou e impôs em face dos cidadãos desde a promulgação da Constituição de 1988 – o que evidencia a ineficiência e má gestão dos recursos públicos, bem como o descaso para com o cumprimento de decisões judiciais por parte da Administração Pública. Agora, o Estado se vale de uma situação de crise momentânea, em claro sinal de desvio de finalidade, para justificar e ampliar ainda mais sua própria ineficiência", destaca.